Saint-Martin Origem e Fim do Homem

Saint-Martin — Quadro Natural das Relações Existentes Entre Deus, o Homem e o Universo
Tableau Naturel des rapports qui existent entre Dieu, l’Homme et l’Univers
Origem e Fim do Homem
Afastemos, pois, de nós as ideias criminosas e insensatas desse nada, ao qual homens cegos ensinam devemos nossa origem. Não aviltemos nosso Ser: ele foi feito para um destino sublime, mas não pode ser mais sublime que o seu Princípio, pois segundo as leis físicas simples, os Seres só podem elevar-se até o grau do qual desceram. E, no entanto, tais leis deixariam de ser verdadeiras e universais se o Princípio do homem fosse o nada. Mas tudo nos demonstra suficientemente as nossas relações com o próprio centro, produtor da universalidade imaterial e da universalidade corporal, uma vez que os nossos esforços sempre tendem apoderar-se de ambas, reunindo todas as virtudes ao nosso redor.

Observemos ainda que essa doutrina sobre a emanação do Ser intelectual do homem se harmoniza com a outra que nos ensina que todas as nossas descobertas são, de certo modo, reminiscências. Pode-se mesmo dizer que ambas se apoiam mutuamente: se somos emanados de uma fonte universal de verdade, verdade alguma deveria parecer-nos nova; e, reciprocamente, se nenhuma verdade nos parece nova, mas nela percebemos a lembrança ou a representação do que estava escondida em nós, então devemos ter tido nascimento na fonte universal da verdade.

Nas leis simples e físicas dos corpos vemos uma imagem sensível do princípio de que o homem é um Ser de reminiscências.

Quando os germes materiais produzem fruto, não fazem mais do que manifestar de maneira visível as faculdades ou propriedades recebidas pelas leis constitutivas de sua essência. Quando esses germes — uma bolota, por exemplo, já havendo atingido a existência individual, pende do ramo do carvalho que a produziu, está participando de tudo o que se opera na atmosfera: recebe as influências do ar, existe no meio dos Seres que têm vida corporal e está em presença do sol, dos astros, dos animais, das plantas e dos homens, e de tudo o que age em sua esfera temporal.

É verdade que em todas essas coisas ela está presente de maneira passiva porque tem uma existência inativa, unida à do carvalho. Não tendo ainda uma vida distinta da vida de seu princípio, vive da vida desse princípio, mas sem nada poder realizar.

Quando essa bolota atinge a maturidade, cai na terra ou é colocada no seio dela pela mão do homem e, havendo produzido uma árvore, vem a manifestar seus próprios frutos, repete o que já fora realizado pela própria árvore da qual proviera; retorna, por suas próprias faculdades, ao ponto de onde havia descido; renasce na região que havia anteriormente ocupado, em suma: reproduz-se entre as mesmas coisas, Seres e fenômenos pelos quais já fora rodeada.

Mas agora há uma diferença impressionante: é que, sendo ela própria um agente, existe nesse segundo estado de maneira ativa, enquanto que no primeiro era passiva, sem ter uma ação distinta da ação de seu princípio.

Podemos pensar a mesma coisa do homem intelectual. Segundo a lei universal, por sua primitiva existência ele teve de permanecer unido à sua árvore geratriz. Era testemunha de tudo o que existia em seu ambiente. E como esse ambiente está tão acima daquele que habitamos — da mesma maneira que o Intelectual está acima do material -, os fatos dos quais o homem participava eram incomparavelmente superiores aos fatos da ordem elementar. A diferença entre uns e outros é a mesma que há entre a realidade dos Seres com uma existência verdadeira e indelével e a aparência dos que têm uma vida independente e secundária. Assim, o homem, ligado a essa verdade, participava, embora de maneira passiva, em todos os fatos da verdade.

Desligado da árvore universal, sua árvore geratriz, e vendo-se precipitado numa região inferior para aí experimentar uma vida intelectual vegetativa, o homem, se chega a conquistar luzes e a manifestar as virtudes e as faculdades análogas à sua verdadeira natureza, realiza e representa por si mesmo aquilo que o seu Princípio já lhe colocara diante dos olhos: recuperar a visão de uma parte dos objetos que haviam estado em sua presença, reunir-se aos Seres com os quais havia habitado; e descobrir novamente, de maneira mais intuitiva e mais ativa, coisas que haviam existido para ele, nele e ao redor dele.

Eis por que não se pode dizer antecipadamente que os Seres criados e emanados na região temporal — e, consequentemente, o homem — trabalhem na mesma obra, que é recuperar a semelhança com seu Princípio, ou seja: crescer sem parar até chegarem ao ponto de produzir frutos, assim como o Princípio produziu os seus nos homens. Eis também o motivo pelo qual, tendo o homem a reminiscência da luz e da verdade, se prova que ele descende da morada da luz e da verdade.



Louis-Claude de Saint-Martin