A árvore do conhecimento do Bem e do Mal representa o Poder manifestante ou cosmogônico, portanto, exteriorizante, com o conhecimento isolante e contrastante exigido pela exteriorização. E, pelo contrário, a árvore da Vida representa o Poder reintegrante, portanto, interiorizante, com o conhecimento participante ou unitivo exigido pela interiorização.
Por essa razão, se os primeiros homens pudessem ter comido o fruto da árvore da Vida, após terem comido o da árvore do Bem e do Mal, teriam atingido o ápice da hierarquia angélica, por usurpação e não por direito. Simples modo de falar, pois tal usurpação era justamente impossível e o Gênese expressa isso ao colocar querubins armados com gládio na entrada do Paraíso.
Seria bom se a árvore da Vida e a do conhecimento do Bem e do Mal pudessem ser a mesma — isso indicaria sua posição central —, mas vistas de lados opostos. Essa interpretação nos faria voltar ao simbolismo de Janus e, também, à ideia islâmica do barzakh, da “região intermediária” que separa os graus ontológicos e cósmicos. A ideia hindu de Maya é análoga, no sentido de que a Relatividade, a priori una, comporta duas dimensões, uma superior e outra inferior. Além disso, admite um poder que é descendente e produtor e um outro que é ascendente e libertador.
É possível interpretar a queda em diferentes graus. Assim, não é in-legítimo admitir que ela possa simbolizar a entrada na matéria, isto é, a passagem cosmogônica do estado anímico ao estado material. Pode-se também admitir — evidentemente, sempre com reservas — que a criação de Eva simboliza essa passagem ou, ainda, que a queda representa uma etapa posterior e negativa. Mas essa não é a intenção primeira do Gênese, que começa realmente com a criação do mundo material e que relata a seguir — no segundo capítulo _ j a decadência do homem, determinando a deterioração da matéria e de todas as espécies vivas que se encontram nesse estado.
Censurou-se Platão por ter tido uma ideia demasiado negativa da matéria, mas isso é esquecer que, segundo o pensamento de Platão, existem a esse respeito dois movimentos. O primeiro refere-se à matéria que caiu em desgraça; o segundo, à matéria em si e na qualidade de base do espírito. Pois a matéria, assim como a substância anímica que a precede, é um reflexo de Maya: consequentemente, comporta um aspecto deiforme e ascendente e um aspecto deífugo e descendente. Do mesmo modo como ocorreu a queda de Lúcifer — sem o que não teria havido serpente no Paraíso terrestre — ocorreu a queda do homem. Para Platão, a matéria — ou o mundo sensível — é má na medida em que se opõe ao espírito, e somente desse ponto de vista. Com efeito, ela se opõe ao espírito — ou ao mundo das Ideias — por seu caráter rígido, compressivo, pesado e, ao mesmo tempo, divisório, sem esquecer sua corruptibilidade em conexão com a vida. Mas a matéria é boa do ponto de vista da inerência do mundo das Ideias nela própria: o cosmo, inclusive o seu limite material, é a manifestação do Bem Soberano, e a matéria o demonstra por sua qualidade de estabilidade, pela pureza ou nobreza de algumas de suas modalidades e pela sua plasticidade simbolista, em suma, por sua inviolável capacidade de servir de receptáculo às influências do Céu. Reflexo longínquo da Maya universal, por esse motivo, a matéria é como um prolongamento do Trono de Deus, o que um espiritualismo obcecado pela maldição da terra há muito perdeu de vista mediante um prodigioso empobrecimento e um perigoso desequilíbrio. Todavia, essa mesma espiritualidade teve consciência da santidade ao mesmo tempo principal e virtual do corpo, “imagem de Deus” a priori e elemento de “glória” a posteriori. Mas a mais ampla refutação de todo maniqueísmo é a apresentada pelo corpo do Avatara, em princípio capaz de subir ao Céu — “transfigurando-se” — sem ter de abster-se, para esse fim, do “fruto proibido”, que é a morte, e que revela, por intermédio de seu caráter sagrado, que a matéria é fundamentalmente uma projeção do espírito. Como toda substância contingente, a matéria é uma forma de resplandecência da Substância divina; de certo modo parcialmente corruptível quanto ao nível existencial, mas inviolável em sua Essência.
Assim como a virtualidade do mal se encontrava na alma do primeiro homem, assim também a corruptibilidade material existia virtualmente no seu corpo paradisíaco e incorruptível. Esse corpo não podia se corromper em seu estado normal, mas a atuação do mal na alma tirou os quatro elementos sensíveis de sua homogeneidade etérea, que era a do corpo edênico; é o que ensina a Cabala. Tendo a alma abandonado em seu movimento deífugo a contemplação do Uno, consequentemente, os quatro elementos corporais deixaram por sua vea sua unidade primordial, a quinta essentia ou o Éter. Dissociaram-se e opuseram-se um ao outro, para acabar reunindo-se num plano inferior e compor o corpo corruptível do homem que perdeu a graça divina, conservando desde então seu corpo incorruptível como uma virtualidade pura. Portanto, o corpo edênico não desapareceu por completo, mas é como um “núcleo de imortalidade” totalmente oculto sob sua exterioridade corruptível. Nosso corpo atual é corruptível por ser composto pelos quatro elementos e porque toda coisa composta, por definição, está destinada à decomposição.
Os corpos celestes são compostos, mas, sendo imortais, “decompõem-se” não na morte, mas na apocatástase. Aliás, o verbo — que aqui empregamos em virtude da analogia — é impróprio, pois trata-se de uma reabsorção positiva e gloriosa na divina Substância e não de uma destruição. Essa Substância única é absolutamente simples, portanto eterna em sentido absoluto. A eternidade relativa — se assim podemos dizer — dos mundos paradisíacos chega à Eternidade divina sem destruição e pela reintegração.