Quanto ao esoterismo em si, que não é outro senão a gnose, devemos lembrar duas coisas, embora já as tenhamos mencionado em outras ocasiões. Primeira, é preciso estabelecer a distinção entre um esoterismo absoluto e um esoterismo relativo. Segunda, é preciso que se saiba que o esoterismo, por um lado, prolonga o exoterismo — aprofundando-o harmoniosamente —, visto que a forma exprime a essência e que desse ponto de vista as duas são solidárias, mas, por outro lado, se opõe a elas — transcendendo-o abruptamente — porque a essência, por sua não-limitação, é inevitavelmente irredutível à forma ou, em outras palavras, porque a forma, como limite’, opõe-se ao que é totalidade e liberdade. Esses dois aspectos são facilmente discerníveis no Sufismo; é verdade que aí se confundem, na maioria das vezes, sem que se possa dizer que se trata, por parte dos autores, de inconsciência pia ou simplesmente de prudência, ou ainda de discrição espiritual; esta mistura é, aliás, coisa natural há tanto tempo que não dá margem a absurdos dialéticos. O exemplo dos sufis mostra, em todo caso, que se pode ser muçulmano sem ser asharita; pelas mesmas razões, e com o mesmo direito, pode-se ser cristão sem ser nem escolástico nem palamita, ou melhor, digamos que se pode ser tomista sem aceitar o sensualismo aristotélico do Aquinate, assim como se pode ser palamita sem partilhar dos erros de Palamas sobre os filósofos gregos e suas doutrinas. Em outras palavras, é possível ser cristão sendo platônico, visto que não há nenhuma rivalidade entre um voluntarismo místico e uma intelectualidade metafísica, deixando-se de lado o conceito semítico da creatio ex nihilo.
Aliás, esse conceito, ou simbolismo, está de acordo com o emanacionismo dos gregos, desde que seja considerado segundo a sua própria intenção e não segundo o raciocínio criacionista dos semitas, que é refratário ao mistério da imanência — isto é, da relação de continuidade entre a causa e o efeito — e, por conseguinte, projeta naturalmente a atividade divina no tempo humano. A criação torna-se, então, um acontecimento histórico e um fato “gratuito”, isto é, um fato isento das necessidades ontológicas enraizadas na Natureza divina. Na metafísica integral, a dificuldade é assim solucionada: por um lado, o aspecto evidente da descontinuidade entre Deus e o mundo não exclui o aspecto não menos evidente — mas infinitamente mais sutil — da continuidade; por outro lado, a Liberdade divina não pode excluir a perfeição de Necessidade, ainda mais que esta não exclui aquela, segundo as relações exigidas pela natureza de Deus.
Enfim, temos de insistir sobre o seguinte ponto: o fato de as verdades transcendentes serem inacessíveis à lógica de tal indivíduo ou de determinado grupo humano não pode significar que sejam intrinsecamente, e de jure, contrárias a toda lógica. Pois a eficácia da lógica depende, por um lado, sempre da envergadura intelectual do pensador e, por outro, da amplitude da informação ou do conhecimento dos dados indispensáveis. A metafísica não é considerada verdadeira — pelos que a compreendem — porque se enuncia de maneira lógica, mas pode enunciar-se de maneira lógica por ser verdadeira, sem que — com toda evidência — sua verdade jamais possa ser comprometida por eventuais falhas da razão humana.
No zelo de defender os direitos da supra-racionalidade divina contra a lógica — de facto fragmentária — dos racionalistas, alguns chegam a reivindicar para a ordem divina, e até mesmo simplesmente espiritual, o direito à irracionalidade, portanto, ao ilogjsmo, como se pudesse haver aí direito ao absurdo intrínseco. Afirmar que Cristo caminhou sobre as águas não é absolutamente contrário à lógica ou à razão — embora se possa desconhecer o fundamento do prodígio pois a lei da gravidade é coisa condicional, portanto relativa, quer saibamos ou não; e, mesmo sem sabê-lo, podemos pelo menos adivinhá-lo ou considerá-lo possível, visto o nível do fenômeno. Mas afirmar que Cristo teria caminhado sobre as águas, ou se elevado no ar, seria seguramente contrário à razão, já que um fenômeno ou uma possibilidade não pode ser, de um único e mesmo ponto de vista, um outro fenômeno ou uma outra possibilidade, ou a ausência do que é. Deus pode exigir a aceitação do milagre ou do mistério, mas não pode querer exigir a aceitação do absurdo intrínseco, portanto, simultaneamente lógico e ontológico.