Schuon (FSTH) – Prece

Dimensões da Oração — tópicos

  • Como o homem deve encontrar Deus?
  • Qual é a essência da oração?
  • Todo homem está em busca da felicidade…
  • Moralidade do homem e imortalidade da alma como outra dimensão da oração
  • A capacidade de conhecimento metafísico determina também uma dimensão da oração
  • Nós somos aquilo que nós somos, e tudo está nas mãos da Providência


Dimensões da Oração — excertos

Extraído do livro “La transfiguration de l’homme”, Delphica (1995).

O homem deve ir ao encontro de Deus com tudo aquilo que é, pois Deus é o Ser de tudo; eis o sentido da injunção bíblica de amar a Deus “com todas as nossas forças”.

Ora uma das dimensões que de fato caracterizam o homem é que ele vive voltado para o exterior e que além do mais, nisto tende ao prazer; estas são sua exterioridade e sua concupiscência. Ele aí mesmo deve renunciar em face de Deus, pois primeiro lugar, Deus está presente em nós-mesmos, e em segundo, o homem deve poder encontrar prazer em si-mesmo e independentemente dos fenômenos sensoriais.

Mas tudo aquilo que aproxima de Deus tem por isto mesmo sua beatitude; elevar-se, orando, acima das imagens e dos ruídos da alma, é uma liberação pelo Vazio divino e Infinitude; é a estação da serenidade.

É verdade que os fenômenos exteriores, por sua nobreza e seu simbolismo — ou sua participação nos Arquétipos celestes — podem ter uma virtude interiorizante, e toda coisa pode ser boa em seu tempo; isto não impede que o desapego deva ser realizado, sem o qual o homem não tem direito à exterioridade legítima, e sem o qual ele cairia em uma exterioridade sedutora e uma concupiscência mortal para a alma. Da mesma forma que o Criador por sua transcendência é independente da criação, o homem também deve ser independente do mundo em vista de Deus. Aí está este apanágio do homem que é o livre arbítrio; só o homem é capaz de resistir a seus instintos e desejos. Vacare Deo.


Um outro apanágio do homem é o pensar racional e a palavra; esta dimensão deve por conseguinte se realizar quando deste ir ao encontro de Deus que é a oração. O homem não se salva apenas pela abstenção do mal, salva-se também , e a fortiori, pela realização do Bem; ora a melhor das obras é aquela que tem Deus por objeto e nosso coração por agente, e esta é a “lembrança de Deus”.

A essência da oração é a , logo a certeza; o homem a manifesta precisamente pelo discurso, ou apelo, endereçado ao Soberano Bem. A oração, o a invocação, iguala a certeza de Deus e de nossa vocação espiritual.

A ação vale pela intenção; é evidente que não deve aí haver na oração qualquer intenção colorida de uma ambição qualquer; ele deve ser pura de toda vaidade mundana, sob pena de provocar a Cólera do Céu.

A oração íntegra não beneficia apenas àquele que a realiza, ela irradia ao seu redor, e sob este ângulo, é um ato de caridade.


Todo homem está em busca da felicidade; esta é uma outra dimensão da natureza humana. Ora não há felicidade perfeita fora de Deus; não importa que felicidade terrestre, ela tem necessidade da bendição do Céu. A oração nos põe em presença de Deus, que é pura Beatitude; se disto temos consciência, encontramos nela a Paz. Feliz o homem que tem o sentido do Sagrado e que abre assim seu coração a este mistério.


Uma outra dimensão da oração resulta do fato que de um lado o homem é mortal e de outro ele tem uma alma imortal; deve passar pela morte, e sobretudo, deve preocupar-se com a Eternidade, a qual está nas mãos de Deus.

Neste contexto, a oração será ao mesmo tempo um apelo à Misericórdia e um ato de e de confiança.


O apanágio fundamental do homem é uma inteligência capaz de conhecimento metafísico; por conseguinte, esta capacidade determina necessariamente uma dimensão da oração, que coincide então com a meditação; o tema neste caso é inicialmente a realidade absoluta do Princípio Supremo, e em seguida a não realidade — ou a realidade relativa — do mundo, que o manifesta.

Entretanto, o homem não deve utilizar intenções que passem além de sua natureza; se ele não é metafísico, não deve se crer obrigado a se-lo. Deus ama os “pequeninos” que sabem permanecer “pequeninos”.

Isto quer dizer que há, na oração, dimensões que se impõem a todo homem, e outras que ele pode saudar de longe; pois o que importa nesta confrontação, não é que o homem seja grande ou pequenino, é que se mantenha sinceramente face a Deus. Por um lado, o homem é sempre pequenino em face de seu Criador; por outro lado, há sempre grandeza no homem quando ele se dirije a Deus; e em úmtima análise, toda qualidade e todo mérito pertencem ao Bem Soberano.


Há uma dimensão da oração meditativa, dissemos, cujo tema é a realidade absoluta do Princípio; e em seguida, correlativamente, a não-realidade — ou a realidade menor — do mundo, que o manifesta.

Porém não é suficiente saber que “Brahma é a Realidade, o mundo é a aparência”; é preciso saber igualmente que “a alma nada mais é que Brahma”. Esta segunda verdade nos faz lembrar que podemos, se nossa natureza o permite, tender para o Princípio Supremo não somente em modo intelectual, mas também em modo existencial; o que resulta do fato que possuímos, não apenas a inteligência capaz de conhecimento objetivo, mas também a consciência de si, a qual é capaz em princípio de união subjetiva. Por um lado, o ego está separado da Divindade imanente pelo fato de ser manifestação, não Princípio; por outro lado, ele nada mais é que o Princípio enquanto este se manifesta; da mesma maneira que o reflexo do sol em um espelho não é o sol, mas no entanto “nada mais é que ele” enquanto ele — o reflexo — é a luz solar e nada mais.

Consciente disto, o homem não cessa de se manter diante de Deus, que é ao mesmo tempo transcendente e imanente; e é Ele, e não nós, que decide da envergadura de nossa consciência contemplativa e do mistério de nosso destino espiritual. Sabemos que conhecer Deus unitivamente significa que Deus ele-mesmo conhece-se em nós; mas não podemos saber em que medida Ele entende realizar em nós esta divina Consciência de Si; e é sem importância que o saibamos ou não. Somos aquilo que somos, e tudo está nas mãos da Providência.

Frithjof Schuon