Schuon (UTR) – Transcendência e universalidade do esoterismo

Sentimos que é essencial dar alguns esclarecimentos sobre as formas mais externas de esoterismo antes de entrar no assunto, embora tivéssemos deixado de lado esse aspecto contingente da questão e nos limitado ao essencial; mas como certas contingências podem dar origem a disputas de princípio, devemos nos deter um pouco nelas, o que faremos da forma mais breve possível. Uma dificuldade pode surgir do fato de que, embora saibamos que o esoterismo é reservado, por definição e por sua própria natureza, a uma elite intelectual necessariamente restrita, devemos, no entanto, observar que as organizações iniciáticas sempre tiveram um número relativamente grande de membros; esse era o caso, por exemplo, dos pitagóricos, e ainda é o caso, a fortiori, das ordens iniciáticas que ainda existem hoje, apesar de seu declínio, como as irmandades muçulmanas. No entanto, quando falamos de organizações iniciáticas muito fechadas, quase sempre estamos falando de ramos ou núcleos de irmandades maiores, e não de irmandades em sua totalidade, com a possível exceção de certas condições particulares. A explicação para essa participação mais ou menos “popular” nos aspectos mais íntimos e, portanto, mais sutis da tradição é que, para existir em um determinado mundo, o esoterismo deve ser integrado a uma modalidade desse mundo, que inevitavelmente envolve elementos relativamente numerosos da sociedade; daí, nessas irmandades, a distinção entre os círculos interno e externo, sendo que os afiliados do último dificilmente têm consciência do verdadeiro caráter da organização à qual pertencem até certo ponto e a veem simplesmente como uma forma da tradição externa que só a eles é acessível. Isso explica, para tomar o exemplo das irmandades muçulmanas, a distinção entre os membros que são simplesmente mutabarik (“abençoados” ou “iniciados”) e que não vão além da perspectiva religiosa que desejam viver intensamente, e os membros de elite que são salik (“que viajam”) e que seguem o caminho traçado pela tradição iniciática; é verdade que, hoje em dia, os verdadeiros salikun são muito poucos, enquanto os mutabarikun são numerosos demais do ponto de vista do equilíbrio normal das irmandades e contribuem, por meio de seus muitos mal-entendidos, para o sufocamento da verdadeira espiritualidade; mas, seja como for, os mutabarikun, mesmo que não consigam compreender a realidade transcendente da irmandade que os acolheu, ainda assim tiram, em condições normais, grande proveito da barakah (“bênção” ou “influência espiritual”) que os cerca e protege na medida de seu fervor, pois não é preciso dizer que o brilho da graça no esoterismo se estende, em virtude de sua própria universalidade, a todos os níveis da civilização tradicional e não se detém em nenhum limite de forma, assim como a luz, incolor em si mesma, não se detém na cor de um corpo transparente.