No Vedanta, Atma revela três grandes véus (ou “invólucros” = Koshas), que correspondem de modo analógico, se os prefigurarmos causativamente, aos estados de vigília, de sonho e de sono profundo. Esses véus ou estados são Vaishwanara, Taijasa, Prajna: eles velam a Realidade incondicionada e inefável, Turtya, que no microcosmo humano será a Presença divina no fundo do coração. Esta realidade ou este quarto “estado” em sentido ascendente é o Superser, ou Atma em si; dele se diz que não é “nem manifesto (vyakta), nem não-manifesto (avyakta)”, e isso exige uma importante precisão, que aqui está.
A ideia do não-manifesto tem dois sentidos diferentes: há o não-manifesto absoluto, Parabrahma ou Brahma nirguna (”não-qualificado”), e o não-manifesto relativo, Ishwara ou Brahma saguna (”qualificado”). Esse não-manifesto relativo, o Ser na qualidade de princípio existencial ou matriz dos arquétipos, pode ser denominado “manifesto potencial” em relação ao “manifesto efetivo”, o mundo; pois, na própria ordem divina, o Ser é a “manifestação” do Superser, sem a qual a manifestação propriamente dita, ou a Existência, não seria nem possível nem concebível. Dizer que o não-manifesto absoluto é, simultaneamente, o princípio do manifesto — o mundo — e do não-manifesto relativo — o Ser — seria uma tautologia: sendo o princípio do Ser, o Superser é, implicitamente, o princípio da Existência. Do ponto de vista do não-manifesto absoluto, a distinção entre o manifesto potencial — que é o não-manifesto relativo e criador — e o manifesto efetivo ou o criado, portanto entre o Ser e a Existência, não existe. Do ponto de vista do Superser, não é nem uma complementaridade nem uma alternativa.
Na ordem divina, ou do princípio, convém considerar primeiramente o Absoluto, à medida que se desdobra em Maya ou sob a forma de Maya; desse segundo ponto de vista, “toda coisa é Atma”. De maneira análoga, mas no âmbito de Maya mesma, pode-se encarar as coisas, primeiro em si mesmas, portanto, do ponto de vista da existência separada que as determina na qualidade de fenômenos e, em segundo, no Ser, portanto, como arquétipos. Todo aspecto de relatividade — mesmo de princípio — ou de manifestação, é vyakta, e todo aspecto de absolutez — mesmo relativa — ou de não-manifestação, é avyakta.
Para realizar o Superser, que é.o absoluto Si-mesmo, é preciso, segundo a Katha Upanishad, passar “além da obscuridade”; esse “além da obscuridade” é, evidentemente, a luminosidade intrínseca do Si-mesmo, aquela que se revela após a obscuridade que o não-manifesto apresenta em relação à ilusória luminosidade do manifesto. Como “os extremos’ se tocam”, o máximo de conhecimento “interior” terá como complemento o máximo de conhecimento “exterior”; não, certamente, no sentido de um saber científico, mas no sentido de que o homem que vê Deus perfeitamente no interior, ou além dos fenômenos, vê-Lo-á perfeitamente no exterior ou nos fenômenos; de forma que a “escalada” do espírito em direção a Deus acarreta, subjetivamente, uma “descida” de Deus às coisas. Essa “visão divina” do mundo implica, naturalmente, um “mandato celeste” ou uma missão espiritual, seja qual for o grau, porém tanto mais elevada conforme o conhecimento interior for profundo ou total. Poder-se-ia dizer, pelo contrário, que tal mandato predestinado coincide providencialmente com o conhecimento supremo. Mas, em todo caso, não se pode afirmar que um grau de conhecimento ou de realização implica ipso facto uma missão profética legiferante, sem o que todo sábio perfeito deveria ser fundador de uma religião.
Seja como for, o que se pretendia frisar aqui é o que o levantamento do véu na dimensão interior e intelectiva faz-se acompanhar de uma iluminação ou de uma transparência dos véus nos quais e pelos quais nós vivemos; e pelos quais nós somos, em virtude de nossa própria existência.