Schuon Vida Espiritual Perspectivas 1

Schuon — Perspectivas Espirituais I

De onde vem a certeza aos santos e profetas à respeito de suas inspirações sobrenaturais? Por que Joana d’Arc acreditou em suas vozes? É porque existe uma evidência ontológica nas inspirações elas-mesmas: crer nelas é tão óbvio quanto crer em sua própria existência.

O mesmo é verdade das inspirações ordinárias, que são “naturais” a seu modo, ou seja, relacionadas à intuição intelectual e não à revelação: verdades metafísicas são aceitas não apenas porque são evidentes logicamente, mas porque são ontologicamente evidentes; ser logicamente evidente é só um traço mental.

Evidência ontológica é parte de nossa verdadeira existência, parte do universo, parte de Deus.


A distinção teológica entre e crença, e por conseguinte como um relativo breu, e a certeza do bendito no Paraíso é análoga à distinção entre conhecimento teórico e um conhecimento que é efetivo, “concreto”, “realizado”.


As palavras de Cristo ao Apóstolo Tomé não poderiam significar que aqueles que não vêem não são abençoados; de outro modo os eleitos do Céu, que vêem Deus seriam privados de beatitude. A bendição daqueles que não vêem e assim mesmo crêem jaz no futuro, assim como a bendição daqueles que choram e serão consolados; mas a bem-aventurança daqueles que vêem e assim não têm mais necessidade de crer está no presente, e é por isto que não é mencionada no Sermão da Montanha.

Um homem pode ter certeza metafísica sem possuir “”, ou seja, sem esta certeza residente em sua alma como uma presença sempre ativa. Mas se a certeza metafísica é suficiente em bases doutrinais, ela é longe de ser suficiente no plano espiritual, onde deve ser completada e trazida à vida pela . A nada mais é que a aderência de todo nosso ser à Verdade, seja que tenhamos uma intuição direta ou idéia indireta, desta Verdade (Evagrio Pôntico ensina que a , fortificada pela outras virtudes — arete — (temor — phobos -, temperança — enkrateia -, paciência, e esperança), engendra “apatia” — apatheia -, ou seja, indiferença espiritual ou impassibilidade, que por sua vez engendra caridade — agape -, o portal da contemplação; ele também diz que a “apatia” precede a caridade, e a caridade precede o conhecimento. Pode ser adicionado que, de acordo com os hesicastas Barsanuphius e João, “a oração contínua mede-se a si própria em relação a ‘apatia’”.) É um abuso de linguagem reduzir “” a “crença”; é o oposto que é verdade: crença — ou conhecimento teórico — deve ser transformado em “que move montanhas” (este é o credo ut intelligam” de Santo Anselmo). Para os Apóstolos não há diferença na prática entre a idéia e sua exploração espiritual; eles não separam teoria de realização: por conseguinte a palavra “amor” como maneira de indicar toda a conformidade à Verdade divina.

Aquele que tem age como se estivesse na presença daquilo que crê — ou conhece — ser verdade. Não se pode por em dúvida o fato que a simples crença já é uma aderência à Verdade, nem afirmar que a certeza metafísica por si mesma implica na aderência de todo nosso ser; para todo homem, se ele “conhece” ou “crê”, a perfeição é “adorar Deus como se O víssemos, e se não O vemos, Ele não obstante te vê” (Este dito do Profeta é considerado a própria definição de Sufismo. Para S. Simeão o Novo Teólogo, a deve viver em obras de santidade e assim em tudo aquilo que conduz à contemplação, e isto o leva a concluir que apenas os santos são efetivamente batizados. Longe de querer substituir o batismo por uma iniciação que iria além deste, S. Simeão quer ao contrário fazer a graça batismal tornar-se viva através das lágrimas espirituais e através de diversas disciplinas e bendições, e ele acha seu ensinamento nestas palavras de Cristo: “Quem crê em mim, como diz a Escritura, rios de água viva correrão do seu ventre”. Agora está claro que esta fórmula não institui qualquer rito. “De acordo com São João Clímaco, ‘o Arrependimento — metanoia — é uma renovação do batismo, mas a fonte das lágrimas após o batismo é uma coisa maior que o batismo.’ Este juízo pode parecer paradoxal se esquecemos que o arrependimento — metanoia — é o fruto da graça — kharis — batismal; esta mesma graça, apenas se adquirida e apropriada pela pessoa, se torna em si mesma o “dom das lágrimas”, um sinal seguro que o coração foi derretido pelo amor divino”, Vladimir Lossky, Essai sur la théologie mystique de l’Église d’Orient).



Frithjof Schuon