Sufismo

Hernández

Os Sufis — nome retirado da vestimenta de lã branca usada pelos ascetas islâmicos (definição polêmica) — foram aqueles que se dedicaram a uma vida de auto-renúncia, vivendo na pobreza e devotando seu tempo à oração e à meditação, e assim se denominaram “amigos de Deus” (awliya allah), dos quais a tradição se referia como:

“Na verdade, os amigos de Deus nada temem e não se entristecem por coisa alguma. Pois se defrontam com a realidade interior deste mundo, enquanto outros homens se defrontam com sua aparência exterior. Do mesmo modo visam o fim deste mundo, enquanto outros visam apenas o presente imediato aqui. Destroem no mundo aquilo que pode destruí-los, e abandonam o que sabem que vai abandoná-los. São hostis para aquelas coisas às quais os outros homens se associam, e abençoam as coisas que outros homens odeiam. Demonstram a maior admiração pelo boas ações dos outros, enquanto eles próprios possuem bens que valem a maior admiração. Para eles, conhecimento é o guia, através do qual eles mesmos ganham conhecimento. Não depositam exceto naquilo que guardam esperança, nem temem nada exceto aquilo que deveria ser evitado.” (Muhasibi, 857) [MCHHPMI]

Corbin

[…] o fenômeno do sufismo como tal, em sua essência. Dele fazer a fenomenologia, não consiste nem a deduzi-lo de qualquer outra coisa, nem a reduzi-lo a alguma outra coisa, mas a investigar o que se mostra a si mesmo neste fenômeno, a destacar as intenções implícitas no ato que o faz se mostrar. É preciso para isto tomá-lo como uma percepção espiritual, e a este título como um dado tão inicial e tão irredutível quanto a percepção de um som ou de uma cor. Ora, o que o fenômeno desvela aqui, é o ato da consciência mística se mostrando a si mesmo o sentido interno e oculto de uma revelação profética, porque a situação própria do místico é aqui de se encontrar tomado pela mensagem e uma revelação profética. A conjunção e a interpenetração entre religião mística e religião profética vai caracteriza propriamente a situação do sufismo. Ela não é concebível senão no Ahl al-Kitab, um «povo do Livro», quer dizer uma comunidade cuja religião é fundada sobre um livro revelado por um profeta, porque o Livro celeste impõe a tarefa dele compreender o verdadeiro sentido. Certamente é possível estabelecer homologias entre certos aspectos do sufismo e do budismo, por exemplo; mas estas homologias não serão do mesmo grau que aquelas que se pode obter em se referindo à situação feita aos Espirituais em uma outra comunidade dos Ahl al-Kitab. (HCIbnArabi)

Guénon

Puesto que acabamos de tomar un término al lenguaje de la Tradición islámica, añadiremos esto: nadie se atrevería ciertamente a contestar que el islamismo, en cuanto a su lado religioso o exotérico, sea por lo menos tan «creacionista» como puede serlo el cristianismo mismo; sin embargo, eso no impide de ningún modo que, en su aspecto esotérico, haya un cierto nivel a partir del cual la idea de creación desaparece. Es así que hay un aforismo según el cual «el Çûfî (debe prestarse atención a que no se trata aquí del simple mutaçawwuf) no es creado» (Eç-Çûfî lam yukhlaq); eso equivale a decir que su estado está más allá de la condición de «criatura», y, en efecto, en tanto que ha realizado la «Identidad Suprema», y pues en tanto que está actualmente identificado al Principio o a lo Increado, no puede necesariamente ser él mismo más que increado. Ahí, el punto de vista religioso no es menos rebasado necesariamente, para hacer lugar al punto de vista metafísico puro; pero si el uno y el otro pueden así coexistir en la misma Tradición, cada uno en el rango que le conviene y en el dominio que le pertenece en propiedad, eso prueba muy evidentemente que los mismos no se oponen o no se contradicen de ninguna manera. [AEIT]

Burckhardt

Parece-nos legítimo chamar o sufismo de “misticismo muçulmano”, desde que atribuamos à expressão “misticismo” seu significado original e preciso1: o objetivo do sufismo é um conhecimento cuja natureza íntima é o “mistério”, que não pode, portanto, ser totalmente comunicado por palavras; isso não significa de forma alguma que ele seja incerto ou que seja vago em suas manifestações; pelo contrário, ele se irradia na ordem humana de acordo com leis rigorosas. A lógica não pode circunscrevê-lo; o verdadeiro conhecimento místico, por outro lado, é soberano em relação à razão, e pode fazer uso desta última para retraçar, como que por uma projeção invertida, as realidades que alcança diretamente e além de qualquer contorno mental.

Seu órgão não é o cérebro, mas o coração, onde o conhecimento e o ser do homem coincidem. Fora desse centro, inacessível ao pensamento, toda percepção parece distinta da natureza de seu objeto; é somente no coração que o homem é o que ele sabe e sabe o que ele é.

Entretanto, quando o Conhecimento alcança seu próprio ser, e o Ser conhece a si mesmo em sua imutável realidade, não podemos mais falar de homem. Na medida em que o espírito mergulha nesse estado, ele se identifica, não com o homem individual, mas com o Homem universal (al-insân al-kâmil), que constitui a unidade interna de todas as criaturas. O Homem Universal é o todo; é por uma transposição do individual para o universal que ele é chamado de “homem”; essencialmente, ele é o protótipo eterno, ilimitado e divino de todos os seres.

O homem universal não é realmente distinto de Deus; ele é como a Face de Deus nas criaturas. Por meio da união com ele, o espírito se une a Deus (a teologia cristã diz o mesmo sobre o Logos). Agora, Deus é tudo e, ao mesmo tempo, está acima de tudo. Ele é ao mesmo tempo imanente e transcendente; da mesma forma, o espírito, nesse estado de união, une-se às criaturas em suas essências, por meio de uma intuição direta; ao mesmo tempo, é como um diamante que não se mistura com nada e não é penetrado por nada, porque participa da Realidade divina que é autossuficiente.

O conhecimento unitivo pode ser traduzido, até certo ponto, para o nível da consciência distintiva, seja porque seu relâmpago subitamente perfura o véu desta última, seja porque sua atualidade sempre presente torna transparentes as coisas que se oferecem à experiência humana.

A partir daí, pode-se dizer que o sufi sabe tudo, embora ignore muitas coisas, e pode-se dizer que ele ignora as coisas deste mundo, embora as conheça em sua essência. De qualquer forma, a qualidade da onisciência nunca pertencerá ao homem, qualquer que seja o grau de sua “transparência” espiritual com relação à Luz divina. [JiliHU]

Titus Burckhardt: INTRODUÇÃO À DOUTRINA ESOTÉRICA DO ISLÃ (vide NATUREZA DO SUFISMO)

Alguns clássicos:


  1. É por causa de um efeito do individualismo religioso, decorrente da “Renascença”, e sem dúvida também por causa de uma certa reação do racionalismo, que a expressão “misticismo” perdeu sua precisão. Entretanto, embora tenha recebido significados abusivos, seu significado original nunca foi excluído. De qualquer forma, se Evagrius, o Pôntico. Gregório, o Sinaítico, Máximo, o Confessor e Mestre Eckhart — para mencionar apenas esses exemplos entre muitos outros — são “místicos”, os sufis também o são. Somente a palavra “misticismo” se aplica exclusivamente a uma variante muito especial e relativamente tardia da espiritualidade cristã. Remetemos o leitor ao que dissemos sobre esse assunto em nossa Introduction aux doctrines ésotériques de l’Islam. Paris. 1969. Dervy-Livres. 

Islame