Talismã

UMBERTO ECO — TALISMÃ E PRECE (ABEM)

O medieval só conhecia um modo para modificar a ordem das coisas naturais: o milagre. A arte ajudava a natureza a aperfeiçoar o próprio curso, mas não podia nem modificar nem desviar suas finalidades. Diferente é o objetivo da magia astral do Renascimento, e disso temos um exemplo — com claras implicações estéticas — nas práticas talismânicas de Marsilio Ficino.

Yates (1964) supõe que tais práticas tenham sido sugeridas a Ficino por um texto mágico árabe do século XII, que circulou na Idade Média em uma versão latina: Picatrix. Segundo Couliano (1984), uma outra fonte medieval de Ficino seria o De radiis, do árabe Al Kindi (século IX): não só cada estrela, mas todo elemento emana raios que se modificam graças às diferentes relações entre estrelas ou outros elementos e objetos influenciados. Estamos diante de uma ininterrupta ligação de influências (vistas aqui como influências luminosas, de tipo físico, mas que no platonismo renascentista se tornarão ligação de amor) que unifica o universo, de alto a baixo e vice-versa. Quando o homem concebe com a imaginação uma coisa material, tal coisa adquire uma existência real, segundo a espécie, no espírito imaginário. Tal espírito emite, assim, raios que movem as coisas exteriores exatamente como a coisa da qual ele é imagem. Desse modo, portanto, a imagem concebida no espírito harmoniza-se em espécie com a coisa produzida em ato, com o modelo da imagem (De radiis, V.).

Neste âmbito é também retomada a teoria do spiritus, um princípio que compenetra a matéria de tal modo que as virtudes dos corpos superiores são a forma dos inferiores e a forma dos inferiores é feita de um material conjuminado com as virtudes dos superiores. Uma das fontes da magia astral é seguramente o De somniis, de Sinésio (século V), traduzido por Ficino. A simpatia cósmica acontece porque a alma contém a marca ideal dos objetos sensíveis e é conhecível em virtude de um princípio sintetizador que, como um espelho de duas faces, reflete ao mesmo tempo os objetos sensíveis e os arquétipos eternos, permitindo sua comparação. Há, assim, uma espécie de território neutro e comum no qual o mundo interno e o mundo externo se encontram e se descobrem iguais.

Ora, os talismãs ficinianos — pelo que se pode inferir das páginas do De vita coelitus comparando — são objetos construídos pela arte humana, que agem sobre as entidades superiores em virtude de uma semelhança. Segundo Picatrix, o Sol apresentar-se-á como um rei coroado entronizado, com o caráter mágico do sol sob os pés; Vénus será uma mulher de cabelos soltos que cavalga um cervo, tem na mão direita uma maçã, na esquerda flores, e está vestida de branco. E não são diferentes os critérios fornecidos para estabelecer semelhança e simpatia entre certas pedras, flores e animais com os vários planetas.

Para Ficino, qualquer objeto material ao ser posto em contato com as coisas superiores é atingido imediatamente por um influxo celeste. E a prova clássica, extraída dos textos do Corpus hermeticum, é que os sacerdotes egípcios e os magos evocavam os deuses, manipulando estátuas animadas construídas a sua imagem e semelhança.

Um talismã (mas Ficino fala sempre de “imagens”) é um objeto material no qual foi introduzido o espírito de uma estrela. Imagens diferentes podem permitir que se obtenham curas, saúde, força física. Junto com os talismãs, Ficino aconselha o canto dos hinos órficos, segundo uma melodia de certo modo análoga à música das esferas planetárias, na tradição pitagórica.

Mas o pensamento de Pitágoras, assim como chegou até nós e assim como o desenvolveu e transmitiu Boécio, baseava-se no fato, incontestável, de que determinadas melodias e determinados modos musicais podem suscitar tristeza, alegria, excitação ou calma. Para Ficino, por sua vez, a magia órfica é paralela à magia talismânica e age sobre os astros.

O De vita coelitus comparando é repleto de instruções sobre como utilizar talismãs, como alimentar-se com plantas em simpatia com certos astros, como celebrar cerimônias mágicas usando perfumes, cantos adequados e vestes de cores apropriadas aos astros que se quer influenciar, ou dos quais se solicita a influência benéfica. O Sol pode ser solicitado vestindo-se roupas douradas, usando flores relacionadas com ele, como heliotrópios, mel amarelo, açafrão, cinamomo. São animais solares o galo, o leão e o crocodilo. A influência de Júpiter pode ser atraída graças à zirconita, à prata, ao topázio, ao cristal, às cores verdes e brônzeas.

 

Umberto Eco