cortar as raízes

Conforme a tradição cabalística, entre aqueles que penetraram no Pardes, alguns “devastaram o jardim”, e se diz que essa devastação consistiu precisamente em “cortar as raízes das plantas”. Para compreender o que isso significa, é necessário antes de mais nada referir-se ao simbolismo da árvore invertida, do qual já falamos em outras ocasiões; as raízes estão no alto, ou seja, no próprio Princípio. Cortar as raízes, portanto, significa considerar que as “plantas”, ou os seres por elas simbolizados, têm de algum modo existência e realidade independentes do Princípio. No caso em questão, tais seres são principalmente os anjos, pois trata-se de uma referência a graus de existência de ordem supra-humana. E é fácil compreender quais possam ser as consequências disso, em especial para o que se convencionou denominar “Cabala prática”. De fato, a invocação dos anjos assim considerados, ou seja, não como os “intermediários celestes”, segundo o ponto de vista da ortodoxia tradicional, mas como verdadeiras potestades independentes, constitui exatamente a “associação” (em árabe shirk), no sentido dado pela tradição islâmica a essa palavra, pois tais potências aparecem então inevitavelmente como associadas à própria Potência divina, ao invés de simplesmente dela derivarem. Tais consequências encontram-se ainda, e com maior razão, nas aplicações inferiores que pertencem ao domínio da magia, domínio este, aliás, no qual se acharão necessariamente encerrados, mais cedo ou mais tarde, todos aqueles que cometem esse erro, pois, devido a ele, perdem o contato com a “teurgia”, visto tornar-se impossível qualquer comunicação efetiva com o Princípio quando “as raízes são cortadas”. As mesmas consequências estendem-se às formas mais degeneradas da magia, tal como a “magia cerimonial”; só que neste último caso, embora o erro seja sempre essencialmente o mesmo, os perigos efetivos são ao menos atenuados pela própria insignificância dos resultados que podem ser obtidos. Finalmente, podemos observar que isso nos oferece a explicação de pelo menos um dos motivos pelos quais se atribui a origem de semelhantes desvios aos “anjos decaídos”. Poderíamos afirmar, e pouco importa que seja literal ou simbolicamente, que, nessas condições, aquele que acredita dirigir seus apelos a um anjo, corre o grande risco de, ao contrário, ver aparecer um demônio diante de si. [Guénon]

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