ignorância

1) A ignorância enquanto falta de instrução e noção exotérica, provoca paradoxos como o fato de Maomé ser analfabeto, assim como Kabir. O próprio Zen recomenda afastar-se dos livros, e o Taoismo aconselha que se guarde distância do eruditos. Por outro, lado, as correntes que recomendam o conhecimento (pitagorismo, gnosticismo, vedanta) opõem “conhecimento”, não à ignorância mas ao saber, cultura, erudição.

2) A nesciência, em contexto esotérico, é a “ignorância” do esoterismo, o desconhecimento ou recusa do sagrado, do divino, dos Mistérios, da iniciação, o esquecimento da natureza ou de sua natureza.

3) A “douta ignorância”, expressão chave e título de livro de Nicolau de Cusa se apresenta como um conhecimento por ignorância, em outros termos apophasia (apophasis), impossibilidade de um conhecimento racional de Deus devido a sua natureza inefável, infinita. Esta ignorância filosófica é conhecimento místico. Esta ideia remonta a Platão (Parmênides) e sobre tudo a Clemente de Alexandria (Stormata) e ao pseudo Dionísio o Areopagita.

Próximo à douta ignorância está o “conhecimento por não saber”, quer dizer a simplicidade, o espírito não repleto e portanto mais aberto para recolher o Absoluto, o sagrado, o Nada. (Pierre Riffard)


Estado personificado da ausência do verdadeiro conhecimento do Deus Supremo; é o mal, nascido da queda do homem na matéria. (BNH)


De acordo com a clássica fórmula vedantina, o fator fundamental responsável pela condição e problemas de nossa consciência cotidiana, a força que constrói o ego e o induz a tomar erroneamente a si mesmo e suas experiências por coisas reais, é a “ignorância”, “nescidade” (avidya). Não é cabível descrever essa ignorância como “existente” (sat), nem como algo “inexistente” (a-sat), mas como “inefável, inexplicável, indescritível” (a-nirvacaraya). Porque — continua o argumento — se fosse irreal e inexistente não teria força suficiente para acorrentar a consciência às limitações da pessoa e ocultar da visão interior do homem a realização da imediata realidade do Eu, que é o único Ser. Mas, por outro lado, se fosse real, absolutamente indestrutível, então não seria tão facilmente dissipada pela sabedoria (vidya); o Eu (atman) jamais teria sido descoberto como o substrato último de todos os entes, e não haveria Vedanta alguma capaz de guiar o intelecto à iluminação. Não se pode dizer que a ignorância é porque ela muda. A transitoriedade é seu caráter próprio, e isto o discípulo reconhece no momento em que transcende seu feitiço enganoso. Sua forma é “a forma do devir” (bhava-rupa): efêmera, perecível, derrotável; no entanto, a ignorância em si mesma difere dos fenômenos transitórios nela circunscritos, porque a ignorância tem existido — apesar de sempre mutável — desde tempo imemorial. Na verdade, é a raiz, causa e substância do tempo. E o paradoxo é que, ainda sem nunca ter começado, ela pode ter um fim, pois o indivíduo preso por ela à interminável roda de renascimentos, e sujeito ao que é popularmente chamado de lei da transmigração da mônada vital ou alma, pode tornar-se consciente de que toda a esfera da ignorância é uma existência sem realidade última — e isto pode ser feito simplesmente por um ato de “íntima revelação” (anubhava), ou por um momento de real compreensão: “eu (sou) ignorante” (aham ajna). (Zimmer)

Pierre Riffard