—Evidentemente, ao lhe perguntar sobre o sonho e o mito, estava pensando em Jung. Eu gostaria de saber o que devem as obras de um às do outro.
—Sinto uma grande admiração pelo Jung, pelo pensador e pelo homem que foi. Conheci-lhe em 1950, com motivo das «Conferências Eranos» de Ascona. depois de meia hora de conversação, parecia-me que estava escutando a um sábio chinês ou a um velho aldeão da Europa oriental, ainda enraizado na Terra Mãe, mas já muito perto do céu. Fascinava-me a admirável simpatia de sua presença, sua espontaneidade, a erudição e o humor de sua conversação. Na época tinha setenta e cinco anos.
Depois voltei a ver-lhe quase todos os anos, em Ascona, ou em Zurique; a última vez, um ano antes de sua morte, em 1960. A cada encontro sentia profundamente impressionado pela plenitude, a «sabedoria» atrevo-me a dizer, de sua vida.
Quanto a sua obra, resulta-me difícil julgá-la. Não a li completa e tampouco tenho experiência da psicanálise, freudiana ou jungiana. Jung interessava-se pelo ioga e pelo xamanismo. Outro de nossos pontos comuns é o interesse pela alquimia. Já sabe que ainda estava no liceu quando comecei a me interessar pela alquimia e acredito que escrevi um livro sobre a alquimia hindu muito antes de que Jung publicasse nada sobre este tema. Entretanto, quando lhe conheci, já escrevera Psicologia e alquimia. Nossos caminhos, em resumo, são paralelos. Para Jung, a alquimia é uma imagem ou um modelo da «individuação». Para mim é o que lhe dizia um momento anterior, a propósito de Ferreiros e alquimistas.
Não sei exatamente o que devo ao Jung. Leio muitos de seus livros, e mais em concreto Psicologia da transferência. Mantive com ele longas conversações em «Eranos». Jung acreditava em uma espécie de unidade fundamental do inconsciente coletivo, enquanto que eu opino que há também uma unidade fundamental das experiências religiosas. [Mircea Eliade]
Em C. G. Jung, cujas primeiras tentativas no campo da psicanálise datam já de há muito tempo, é curioso notar, pois isso é muito significativo, que para sua interpretação ele partiu de uma comparação que acreditava poder estabelecer entre certos símbolos e os desenhos traçados por doentes. É preciso reconhecer, com efeito, que esses desenhos apresentam, às vezes, em relação aos verdadeiros símbolos, uma espécie de semelhança “paródica”, que não deixa de ser inquietante no que se refere à natureza daquilo que os inspira. O que agravou muito as coisas é que Jung, para explicar tudo aquilo que os fatores individuais parecem não conseguir abranger, foi levado a formular a hipótese de um pretenso “inconsciente coletivo”, que existiria no ou dentro do psiquismo de todos os indivíduos humanos, e ao qual ele acreditou poder referir simultânea e indistintamente a origem dos próprios símbolos e de suas caricaturas psicológicas (v. inconsciente e subconsciente). [Guénon]