Mahayana

A complexidade do budismo Mahayana recomenda de início uma abordagem sistémica; mas descobrir os seus contornos mais profundos é uma operação difícil e delicada que não poderemos realizar aqui.

A doutrina do Mahayana aparece primeiro na literatura dos sutras da Gnose Transcendente (prajnaparamita), cujos primeiros vestígios se situam sensivelmente no ano 100 d. C.. É uma mudança do ideal de perfeição que marca a passagem do Hinayana ao Mahayana. Enquanto o adepto do budismo hinayano aspira a tornar-se num arhat, isto é, um ser que não sairá mais do estado de nirvana para voltar ao odioso samsara ou ciclo de reencarnações, o adepto do Mahayana deseja ser um Budasattva, isto é, um ser que, tendo alcançado o Despertar, sacrifica o seu bem-estar ao de toda a humanidade, preferindo manifestar-se no mundo a retirar-se para o nirvana. O Budasattva não será um Pratyeka Buda, um Buda silencioso, mas um Iluminado que fala, que age, que vem em socorro dos infelizes: uma nova perspectiva que se crê influenciada pelas correntes de devoção hindu (bhakti).

Se a compaixão pela humanidade atacada pela Ignorância parece caracterizar o ideal do Budasattva, a doutrina do Mahayana assume a difícil tarefa de elaborar uma lógica que permite operar, sem contradição, com noções contraditórias. Chama-se-lhe por vezes «lógica negativa», mas na realidade trata-se de uma lógica não aristotélica que, sem reconhecer o princípio do terceiro excluído, transcende por sua vez a afirmação e a negação. Compreende-se perfeitamente o porquê de certos espíritos científicos sedentos de religião terem concluído recentemente que o Mahayana lhes proporciona um modelo precioso para compreenderem os paradoxos da física moderna, habituada então às geometrias não euclidianas e à concepção de múltiplas dimensões do espaço. Na realidade, a sobreposição dos dois sistemas é só aparente: no caso do budismo, é a recusa da alternativa simples (se A não é verdade, então não-A é) que leva a especulações audaciosas, enquanto a física deriva as suas topologias fantásticas, por um lado do abandono do postulado euclidiano dos paralelos e, por outro lado, dos visionários da Quarta Dimensão, como Charles Howard Hinton (1853-1907).

A lógica budista do «terceiro possível» conhece múltlipas expressões, começando por um texto do Mahayana primitivo como o Saddharmapundarlka (Sutra do Lótus), onde o Buda, enquanto ser eterno, não conheceu o Despertar. Com efeito, não só ele era sempre Iluminado, como não há nada para que Despertar, dado que o nirvana não é substancial. Segundo a escola Yogacara, o ser transcendente que é o buda pode multiplicar-se infinitamente para a salvação dos homens, em épocas distintas ou numa só. No exterior do «corpo absoluto» (dharmakaya), o Mahayana empresta-lhe, com efeito, um «corpo etérico» (sambhogakaya, lit. «corpo de gozo») no qual o Buda «goza» dos seus próprios méritos religiosos, no paraíso conhecido como Terra Pura e, por fim, um «corpo mágico» (nirmanakaya), no qual ele incarna para salvar os humanos.

Os paradoxos já presentes nos textos pré-mahayanos e nos do Mahayana primitivo recebem uma sanção final na obra do quase mítico Nagarjuna (ca. 150 d. C), autor do «sistema do meio», o Madhyamika. Desde logo, o Nagarjuna exerce um cepticismo ativo a propósito de todas as opiniões filosóficas tradicionais (drsti), praticando a redução absurda (prasahga). Com este método, ele refuta o essencialismo de origem bramânica, afirmando que todas as coisas são desprovidas de uma essência própria, e que, consequentemente, o que é é vazio (sunya). Esta verdade última, que se opõe à verdade aparente e discursiva de todos os dias, implica igualmente a identidade, no vazio (sunyata), do nirvana e do samsara, da existência fenomenal encadeada nos ciclos karmânicos e da sua cessação.

Por volta de 450 d. C, a escola Madhyamika cindiu-se em dois ramos: um que não retinha senão a lição negativa de Nagarjuna, os cépticos ou Prasahgika, e outro que seguia a lição positiva, os Svatantrikas. Penetrando na China e Japão, o budismo Madhyamika desaparecerá aí no século X, não sem ter contribuído de forma essencial para o aparecimento do Budismo Chan (japonês Zen). [Eliade e Couliano]

Buda