—De ordinário imaginamos a iniciação como acesso ao sagrado. Não poderia entender-se como uma desmitificação ao estilo de «Quando foi menino, puro… Agora, entretanto, tem que saber…»?
—Sim, este tipo de iniciação aparece sobretudo em níveis culturais elementares. Esta era sem dúvida a forma mais antiga dos ritos da puberdade na Austrália do Sudeste. O menino é separado de sua mãe, quer dizer da natureza, assustado mediante as bramadoras —os rombos— e circuncidado. Logo mostra-lhe como se produz a voz terrorífica dos espíritos e convida-lhe a que ele mesmo faça girar os rombos para fazê-la soar. Há, por conseguinte, uma desmitificação, mas ao mesmo tempo se produz a passagem a um grau superior de inteligência. Não se diz que não exista o ser sobrenatural; tudo limita-se a demonstrar que uma de suas supostas manifestações não tem por que aterrorizar a não ser aos não iniciados. O iniciado, por sua parte, uma vez liberado da crença pueril, é convidado a descobrir sua identidade com o churunga, corpo petrificado do antepassado que, depois de ter feito quanto tinha que fazer na terra, retirou-se ao céu… Para não deixar nada, eu acrescentaria que há outra iniciação reservada aos bruxos, aos xamãs.
—Alguma vez se preocupou pelo desaparecimento dos ritos iniciáticos tradicionais em nossa sociedade e por seus substitutivos. Limitar-me-ei a fazer-lhe esta pergunta: como dizer aos meninos que são seres sexuados e mortais?
—Hoje não só está dessacralizada, desmitificada, a sexualidade, mas também o mesmo ocorreu com a morte, que é ignorada, cuja imagem se rechaça, em que não quer pensar. Em uma sociedade profana resulta muito difícil iniciar aos meninos nestes dois grandes mistérios. Não tenho uma resposta. Pode um menino entender sequer a sexualidade, a morte? Ignoro o que convenha fazer e dizer. [Mircea Eliade]