O sagrado é uma aparição do Centro, imobiliza a alma e a volta para o interior.
A arte sagrada ajuda o homem a encontrar seu próprio centro, esse núcleo que ama a Deus por natureza.
O sagrado é a presença do centro na periferia, do imutável no movimento; a dignidade é essencialmente uma expressão dele, pois também na dignidade o centro se manifesta no exterior; o coração se transparece nos gestos. O sagrado introduz nas relatividades uma qualidade de absoluto, confere às coisas impermanentes um textura de eternidade.
No homem de natureza “crente” ou “eleita” há uma herança do Paraíso perdido, e é o instinto do transcendente e o sentido do sagrado; é, por um lado, a disposição a crer no milagroso e, por outro, a necessidade de venerar e de adorar. A esta dupla pré-disposição deve somar-se normalmente um duplo desapego, um com respeito ao mundo e à vida terrena, e outro com respeito ao ego, a seus sonhos e a suas pretensões.
O sagrado é a projeção do Centro celestial na periferia cósmica. Ser concretamente sensível a ele é possuir o sentido do sagrado, e, do mesmo modo, o instinto de adoração, de devoção, de submissão; é a consciência – no mundo do que pode ser ou não ser – dAquilo que não pode ser, e cujo imenso afastamento e milagrosa proximidade experimentamos ao mesmo tempo. Se podemos ter esta consciência é porque o Ser necessário nos alcança no fundo de nosso coração, por um mistério de imanência que nos faz capazes de conhecer todo o conhecível e que, por isso mesmo, nos faz imortais. (Schuon PP)
—Esse objeto é o sagrado. Mas, como delimitar o sagrado? É algo muito difícil. O que em todo caso ME parece impossível é imaginar como poderia funcionar o espírito humano sem a convicção de que existe algo irredutivelmente real no mundo. É impossível imaginar como poderia aparecer a consciência sem conferir uma significação aos impulsos e às experiências do homem. A consciência de um mundo real e significativo vai estreitamente ligada ao descobrimento do sagrado. Mediante a experiência do sagrado, o espírito captou a diferença entre o que se revela como real, potente e significativo e o que carece dessas qualidades, quer dizer o fluxo caótico e perigoso das coisas, suas aparições e desaparecimentos fortuitos e carentes de sentido… Mas ainda terei que insistir em um ponto: o sagrado não é uma etapa na história da consciência, a não ser um elemento da estrutura dessa mesma consciência. Nos graus mais arcaicos da cultura, viver como ser humano é já em si mesmo um ato religioso, posto que a alimentação, a vida sexual e o trabalho possuem um valor sacramental. A experiência do sagrado é inerente ao modo de ser do homem no mundo. Sem a experiência da realidade —e do que não o é— não poderia construir o ser humano. A partir dessa evidência precisamente, o historiador das religiões começa a estudar as diversas formas religiosas.
—O sagrado é, por conseguinte, a pedra angular da experiência religiosa. Porém, trata-se de algo distinto de um fenômeno físico ou de um fato histórico, por exemplo. Não se pode descobrir o sagrado a não ser através de uma fenomenologia?
—Exatamente. E acima de tudo, quando se trata do sagrado, não terá que limitar-se às figuras divinas. O sagrado não implica a fé em Deus, nos deuses ou nos espíritos. É, repito-o, a experiência de uma realidade e a fonte da consciência de existir no mundo. No que consiste essa consciência do sagrado, dessa demarcação que se realiza entre o real e o irreal. Se a experiência do sagrado pertence essencialmente à ordem da consciência, é evidente que o sagrado não se reconhece «de fora». É precisamente através da experiência interior como cada qual poderá reconhecer o sagrado nos atos religiosos de um cristão ou de um «primitivo».
—O «sagrado» se opõe ao «profano» e ao mesmo tempo é em si mesmo ambivalente, não só porque seus dois pólos são a vida e a morte, mas sim porque atrai e ao mesmo tempo causa temor. Tais são as grandes linhas de seu livro O sagrado e o profano e do Tratado de história das religiões, em que entrevista um pensamento muito próximo ao dele, o do Roger Caillois, em L’Homme et le sacré. Tudo isto é já bem conhecido. Entretanto, em uma introdução de 1964 a seu ensaio O sagrado e o profano, escrevia: «Fica um problema ao que unicamente aludimos: em que medida pode ‘o profano’ em si converter-se em ‘sagrado’; em que medida uma existência radicalmente secularizada, sem Deus nem deuses, pode converter-se em ponto de partida para um novo tipo de ‘religião’?». Suponhamos um exemplo singelo: pode considerar-se «sagrado» o mausoléu de Lenin?
—O problema que se expõe ao historiador das religiões consiste, efetivamente, em reconhecer a sobrevivência, mascarada ou desfigurada, do sagrado, de suas expressões e de suas estruturas, em um mundo que se tem resolutamente por profano.
Daí que em Marx e no marxismo possa advertir a presença de certos grandes mitos bíblicos: a função redentora do Justo, a luta final, escatológica, entre o Bem (o proletariado) e o Mal (a burguesia), seguida da instauração da Idade de Ouro… Mas eu não diria que o mausoléu de Lenin é de caráter religioso, apesar, inclusive, de que este símbolo revolucionário exerça a função de um símbolo religioso. (Mircea Eliade)