serpente

Em certas regiões da África, e particularmente no Daomé (atual Benim), a “serpente celeste” é assimilada ao arco-íris e, ao mesmo tempo, considerada como a senhora das pedras preciosas e da riqueza. Pode parecer que haja aí uma certa confusão entre dois aspectos diferentes do simbolismo da serpente, pois, se o papel de senhor ou guardião dos tesouros é com grande frequência atribuído de fato, dentre outras entidades descritas de variadas formas, às serpentes e aos dragões, estes têm então um caráter subterrâneo, e não celeste. No entanto, é possível que exista entre esses dois aspectos aparentemente opostos uma correspondência comparável à que ocorre entre os planetas e os metais.6 Por outro lado, é pelo menos curioso observar que, sob esse ângulo, a “serpente celeste” possui uma surpreendente semelhança com a “serpente verde”, do conto simbólico bem conhecido de Goethe, que se transforma em ponte e depois se fragmenta em pedras preciosas. Se a “serpente verde” devesse também ser considerada em relação ao arco-íris, concluiríamos que ela se identifica à ponte, o que em suma não seria muito surpreendente, visto que Goethe pode muito bem, nesse ponto, ter pensado mais em particular na tradição escandinava. É necessário dizer, quanto ao mais, que o conto em questão é muito pouco claro, seja quanto à procedência dos diversos elementos do simbolismo em que Goethe se inspirou, seja quanto à sua própria significação, e que todas as interpretações que se tentaram dar a ele são realmente pouco satisfatórias no conjunto. Não pretendemos insistir mais a esse respeito, mas nos pareceu que poderia ter algum interesse assinalar ocasionalmente o paralelo um tanto inesperado a que dá margem. Para a assimilação mais ou menos completa da serpente de Goethe ao arco-íris, não podemos levar em consideração a cor verde que lhe foi atribuída, embora alguns tenham pretendido que o verde seria uma espécie de síntese do arco-íris, por ser a cor central. Porém, de fato, o verde só ocuparia uma posição verdadeiramente central se fosse admitida a introdução do índigo (ou anil) na lista das cores; no entanto, tal introdução é na realidade insignificante e desprovida de qualquer valor do ponto de vista simbólico. A propósito, podemos notar que o eixo corresponde exatamente ao “sétimo raio” e por conseguinte à cor branca, enquanto que a própria diferenciação das cores do arco-íris indica uma certa “exterioridade” em relação a esse raio axial. (Guénon)


A serpente tem ainda um aspecto benéfico, que se encontra de igual modo no simbolismo do antigo Egito, em especial sob a forma de serpente real, “uraeus” ou basilisco. Mesmo na iconografia cristã, a serpente é às vezes um símbolo de Cristo. E o Set bíblico, cujo papel assinalamos também na lenda do Graal, é muitas vezes considerado como uma “prefiguração” de Cristo. Podemos dizer que os dois Set nada mais são, no fundo, que as duas serpentes do caduceu hermético: são, se o quisermos, a vida e a morte, ambas produzidas por um poder único em sua essência, mas duplo em sua manifestação. (Guénon)


O simbolismo da serpente está de fato ligado, antes de tudo, à ideia da própria vida: no árabe, a serpente é el-hayyah, e a vida, el-hayah. Isso, que se liga ao simbolismo da “Árvore da Vida, permite ao mesmo tempo entrever uma singular relação da serpente com Eva (Hawa, “a vivente”); podemos ainda lembrar as figurações medievais da “tentação” em que o corpo da serpente enrolada na árvore tem acima dela um busto de mulher. Coisa não menos estranha ocorre no simbolismo chinês de Fo-hi e sua irmã Niu-Koua. Podemos ver em tudo isso a indicação de que a serpente teve, em épocas sem dúvida muito recuadas, uma importância atualmente insuspeitável; e se estudássemos de perto todos os aspectos de seu simbolismo, em particular no Egito e na Índia, poderíamos ser levados a constatações muito inesperadas. (v. pedra-de-raio) (Guénon)

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