Quando estais reunidos, ó monges, de duas coisas uma podeis fazer: seja falar do dhamma, ou guardar o silêncio ariano. Estas, monges, são as duas buscas: a busca ariana e a busca não-ariana. Em que consiste a busca não-ariana?
Tomai o caso de um homem que, sujeito ao nascimento, devido ao eu, busca o que é igualmente sujeito ao nascimento: uma mulher e filhos, escravos de ambos os sexos, ovelhas, cabras, galos e porcos, elefantes, gado, cavalos e éguas, ouro e prata; e que, sujeito à velhice, ao declínio, à morte, à dor, à impureza, sempre devido ao eu, busca o que está igualmente sujeito a estes estados (enumeração como esta acima, exceto o ouro e a prata que são omitidos dos casos de declínio, de morte, e de dor). Eis aí a busca não-ariana.
E qual é, então, a busca ariana? Neste caso um homem sujeito ao nascimento devido ao eu, mas tendo percebido o perigo no que é igualmente sujeito ao nascimento, busca o não-nascido, a mais absoluta segurança contra a escravidão1, o Nirvana. Um homem, sujeito à velhice devido ao eu.. . busca o que não envelhece, a mais absoluta segurança contra a escravidão, o Nirvana. Um homem, sujeito à dor devido ao eu… busca o que não conhece a dor, a mais absoluta segurança contra a escravidão, o Nirvana. Um homem sujeito à impureza devido ao eu, tendo visto o perigo no que é igualmente sujeito à impureza, busca o imaculado, a mais absoluta segurança contra a escravidão, o Nirvana. Eis aí a busca ariana.
Eu também, monges, antes do meu total despertar, quando era ainda bodhisattva, não totalmente desperto, e pelo fato de que estava sujeito ao nascimento devido ao eu, buscava p que estava igualmente sujeito ao nascimento, etc. Veio-me esta idéia: “Por que, sujeito ao nascimento devido ao eu, busco o que é igualmente sujeito ao nascimento?… etc. Se (sendo) sujeito ao nascimento devido ao eu, tendo percebido o perigo no que é igualmente sujeito ao nascimento, buscasse o não-nascido, a segurança absoluta contra a escravidão, o Nirvana? E se, sujeito à velhice, à morte, à dor, à impureza devido ao eu, tendo percebido o perigo no que está igualmente sujeito a estes estados, eu buscasse o que é sem velhice, sem morte, sem dor, sem mácula, a segurança absoluta contra a escravidão, o Nirvana?
Então abandonei meu lar para viver sem lar, em busca do que é bom, buscando a incomparável vereda da paz. Eu me dirigi primeiro para junto de Alara Kalama, depois para Uddaka Ramaputta; mas do dhamma e da disciplina destes dois (mestres) compreendi o seguinte: este dhamma não conduz à indiferença, à impassibilidade, à cessação, à tranquilidade, ao conhecimento superior, ao despertar, ao Nirvana, mas somente com Alara, até o plano de aniquilamento do eu; com Uddaka, até o plano de nem percepção nem não percepção. Então, buscando o que é bom, buscando a incomparável vereda da paz, e percorrendo a pé o Magadha, terminei por chegar a Uruvela, a Povoação do Campo. Ali vi uma deliciosa extensão de terreno plano, um bosque encantador, um rio que corria com águas bem claras; não muito ao longe havia uma aldeia onde era possível viver2. Pensei: a um jovem que está resolvido a fazer esforços, que mais necessitaria para seus esforços? Sentei-me, pois, ali, achando o local conveniente para meus esforços. Então, ó monges, sujeito ao nascimento devido ao eu, tendo percebido o perigo no que está igualmente sujeito ao nascimento, e procurando o não-nascido, a segurança absoluta contra a escravidão, o Nirvana, encontrei meu caminho até o não-nascido, até a segurança absoluta contra a escravidão, o Nirvana;. . . procurando o que não envelhece… o que não morre. . . o que é sem dor. . . encontrei meu caminho até o que não conhece nem velhice, nem morte, nem dor. Então, sujeito à impureza devido ao eu, tendo percebido o perigo no que está igualmente sujeito à impureza, buscando o imaculado, a segurança absoluta contra a escravidão, o Nirvana, consegui o imaculado, a segurança absoluta contra a escravidão, o Nirvana. Conhecimento e visão surgiram em mim: inabalável é minha liberdade, este meu último nascimento, não mais existe novo porvir.
Majjhima_Nikaya I, 161-167.