Izutsu (ST:375-377) – O Caminho (Tao)

Até este ponto, seguimos as pegadas de Chuang-tzu enquanto ele tentava descrever analiticamente o processo pelo qual uma visão do Absoluto é revelada ao Homem Perfeito Taoista, abrindo em sua mente uma nova visão de todo o mundo do Ser que é totalmente diferente e radicalmente oposta àquela compartilhada por homens comuns no nível do senso comum. Ao fazer isso, descartamos Lao-tzu, exceto em alguns pontos. Tampouco analisamos de maneira sistemática o pensamento filosófico expresso no Tao Te Ching. Adotamos esse curso por várias razões, sendo a mais importante delas o fato de que Chuang-tzu, como já salientei várias vezes, está vitalmente interessado em descrever o aspecto epistemológico do problema do Tao, enquanto Lao-tzu está quase que exclusivamente interessado em apresentar o resultado da experiência do Absoluto, ou seja, o que vem depois e a partir dessa experiência.

Vimos no capítulo anterior como Chuang-tzu submete a uma análise teórica elaborada o processo de desenvolvimento gradual da mente humana em direção à perfeição taoista. Ele tenta dar uma descrição precisa da variedade taoista de experiência metafísica ou espiritual pela qual o homem “ascende” em direção ao Absoluto até se tornar completamente unificado com ele. Certamente, Chuang-tzu está igualmente interessado no movimento “descendente” da mente, do estado de ekstasis de volta ao nível da consciência cotidiana, ou seja, do estágio da Unidade absoluta de volta ao da Multiplicidade “essencial”. Mas, mesmo assim, sua descrição da Descida é epistemológica e também ontológica. Ou seja, sua descrição é feita de modo que a cada estágio objetivo do Ser corresponda um estágio subjetivo de experiência espiritual, de modo que o sistema ontológico, no caso de Chuang-tzu, seja ao mesmo tempo um sistema epistemológico completo, e vice-versa. Além disso, é típico de Chuang-tzu que esses dois aspectos estejam tão completamente fundidos que às vezes é difícil para nós decidir se uma determinada passagem pretende ser uma descrição do lado subjetivo da questão ou da estrutura objetiva e ontológica das coisas. O “assentar em esquecimento” é um exemplo disso.

Lao-tzu, ao contrário, não parece estar muito interessado nos estágios experienciais que precedem a visão final do Absoluto. Ele não se dá ao trabalho de explicar como e por qual processo podemos obter a visão do Absoluto. Ele parece estar mais interessado nas perguntas: (1) O que é o Absoluto, ou seja, o Caminho? e (2) Como se espera que o “homem sagrado” se comporte em circunstâncias comuns da vida social com base em sua visão do Caminho?

Desde o início, ele pronuncia suas palavras em nome do Absoluto, como representante daqueles que já atingiram o estágio mais elevado da perfeição taoista. Por trás das páginas do Tao Te Ching, sentimos a presença de um homem que experimentou a mais íntima união com o Absoluto e que, consequentemente, sabe o que é o Absoluto.

De forma bastante abrupta, Lao-tzu começa a falar sobre o Caminho. Ele tenta nos transmitir seu conhecimento pessoal do Absoluto e sua estranha visão do mundo — assim parece ao entendimento do senso comum. Se não fosse por Chuang-tzu, dificilmente poderíamos saber com certeza que tipo de experiência essa extraordinária visão do mundo tem como sua “pré-história” não declarada. É por isso que até agora nos abstivemos intencionalmente de nos voltarmos sistematicamente para uma análise do pensamento de Lao-Tzu e nos limitamos à tarefa de esclarecer essa “pré-história” à luz do que Chuang-Tzu diz sobre ela.

Mas a situação particular que acabamos de mencionar com relação à atitude básica de Lao-Tzu parece sugerir que o Tao Te Ching é a melhor coisa possível para recorrermos, se quisermos obter uma compreensão clara da concepção taoista do Absoluto, sua realidade e seu funcionamento. Como perceberemos imediatamente, o Absoluto, conforme concebido por Lao-tzu e Chuang-tzu, está, por sua própria natureza, além de qualquer descrição verbal. Apesar disso, Lao-tzu se esforça para descrever, pelo menos simbolicamente, esse Algo inefável. E ele tem um sucesso maravilhoso. De fato, o Tao Te Ching é uma obra notável, pois tenta delinear até o limite máximo da possibilidade o Absoluto, que é essencialmente indescritível. É por isso que, no presente capítulo, dependeremos muito desse livro para elucidar a estrutura metafísica do Absoluto.

Devemos observar, entretanto, que aqui novamente Lao-tzu não explica como e por que ele é inefável e indescritível. Ele simplesmente afirma que o Caminho é “sem nome”, “sem forma”, “sem imagem”, “invisível”, “inaudível”, etc., que é “nada” (wu wu) ou Nada (wu). Quanto ao processo psicológico ou lógico pelo qual se chega a essa conclusão, ele não diz nada de positivo. Esse processo é esclarecido de forma interessante por Chuang-tzu em uma passagem que dá amplo testemunho de que ele é um excelente dialético. Vamos começar lendo a passagem em questão como uma introdução teórica esclarecedora à concepção de Lao-tzu sobre o Absoluto.