Izutsu (ST:354-356) – Contra Essencialismo

No final do capítulo anterior, apontei o fato de que, em Chuang-tzu, os estágios do “assentar em esquecimento” são traçados em duas direções opostas: ascendente e descendente. A primeira consiste em começar do estágio mais baixo e subir estágio por estágio até o último e mais elevado. Um exemplo típico desse tipo de descrição acabou de ser dado.

O segundo, o curso descendente, é o inverso do primeiro. Ele começa no estágio mais alto e desce até o mais baixo. Como uma introdução adequada ao tópico principal do presente capítulo, começaremos traduzindo uma passagem de Chuang-tzu na qual os estágios são descritos dessa maneira. Nessa passagem, Chuang-tzu, em vez de falar de “assentar em esquecimento”, divide o conhecimento humano da Realidade em quatro classes que constituem entre si uma cadeia de graus sucessivos. Esses graus são os estágios epistemológicos que correspondem aos estágios ontológicos que Lao-tzu, em seu Tao Te Ching, distingue no processo pelo qual todas as coisas no mundo do Ser emanam continuamente da Unidade absoluta do Caminho.

Qual é o limite final do Conhecimento? É o estágio representado pela visão de que nada jamais existiu desde o início. Esse é o limite mais além (do Conhecimento), ao qual nada mais pode ser acrescentado.

Como vimos no capítulo anterior, esse é o estágio final que o homem alcança no final de “assentar no esquecimento”. Aqui o homem está tão completamente unificado com o Caminho e tão perfeitamente identificado com a Realidade absoluta, que o Caminho ou a Realidade nem sequer é sentido como tal. Esse é o estágio do Vazio e do Nada no sentido que foi explicado acima.

Sobre esse estágio, Kuo Hsiang diz: “O homem nesse estágio esqueceu completamente o Céu e a Terra, tirou todas as coisas existentes de sua mente. Do lado de fora, não percebe a existência do universo inteiro; do lado de dentro, perdeu toda a consciência de sua própria existência. Sendo ilimitadamente “vazio”, ele não é obstruído por nada. Ele continua mudando à medida que as próprias coisas continuam mudando, e não há nada a que não corresponda.

O próximo estágio é aquele em que há a consciência de que as “coisas” existem. Mas (nessa consciência) as “fronteiras” entre elas nunca existiram desde o início.

Nesse segundo estágio, o homem se torna consciente do Caminho que contém todas as coisas em um estado de pura potencialidade. No estágio seguinte, o Caminho se diversificará em “dez mil coisas”. Mas aqui ainda não há “fronteiras” entre elas. As “coisas” ainda são um Todo indivisível composto de um número ilimitado de elementos potencialmente heterogêneos. Elas ainda são um plano uniforme, um Caos, onde as coisas ainda não receberam distinções “essenciais”.

O próximo (ou seja, o terceiro) é o estágio em que as “fronteiras” são reconhecidas (entre as coisas). Entretanto, ainda não há absolutamente nenhuma distinção entre o “certo” e o “errado”.

Aqui o Caos começa a revelar as formas definidas das coisas que contém dentro de si. Todas as coisas mostram suas próprias demarcações, e cada coisa demarca claramente sua própria “fronteira” pela qual se distingue das outras. Esse é o estágio das “essências” puras. A Unidade original se divide e se diversifica em Multiplicidade, e o Absoluto se manifesta como inúmeras existências “relativas”. Como resultado, a Realidade, que antes estava além do alcance da cognição humana, chega pela primeira vez aos limites de sua compreensão.

E, no entanto, mesmo nesse estágio, não é feita a distinção entre “certo” e “errado”. Isso indica que, nesse terceiro estágio, ainda estamos em contato com o Caminho em sua integridade original, embora, com certeza, o contato com o Caminho já seja indireto, porque é feito através do véu das “essências”. Podemos nos lembrar do mito do Imperador Caos (Hun Tun), que lemos no Capítulo II, que morreu assim que seus amigos fizeram buracos em seu rosto “descaracterizado”. À luz da presente passagem, há uma simplificação exagerada nesse mito. Pois o Caos não “morre” simplesmente pelo fato de serem feitos “buracos” (ou seja, distinções “essenciais”) nele. A verdadeira morte do Caos ocorre no estágio seguinte.

No entanto, assim que o “certo” e o “errado” aparecem claramente, o Caminho fica danificado. E assim que o Caminho é danificado, nasce o Amor.

Com o surgimento do “certo” e do “errado”, o Caos perde sua vitalidade natural e se fossiliza como “formas essenciais”, rígidas e inflexíveis como cadáveres. Como diz Wang Hsien Ch’ien: “Quando o “certo” e o “errado” são reconhecidos, a integridade “caótica” do Caminho é imediatamente ferida”.

E assim que isso acontece, o Amor nasce. O nascimento do Amor simboliza a atividade de emoções humanas como o amor e o ódio, o gostar e o não gostar. Esse é o último e mais baixo estágio do Conhecimento.

É claro que há outro aspecto do problema. Aqui se diz que o Caminho morre com o surgimento de emoções humanas como amor e ódio. Mas isso só acontece quando se considera a situação em relação à integridade “caótica” original, ou seja, a “indiferenciação” original do Absoluto. Caso contrário, tudo é uma manifestação particular do próprio Caminho. E, como tal, até mesmo uma “essência” fossilizada nada mais é do que uma “autodeterminação” do Absoluto. Esse aspecto da questão, entretanto, é irrelevante para o nosso tópico atual.

Tao, Toshihiko Izutsu (1914-1993)