Hugo Rahner. ”EL HOMBRE LÚDICO, EDICEP, Valencia, España, 2002, p. 102, ISBN 84-7050-676-5. In: pp. 47-49. Contribuição e tradução de Antonio Carneiro”
Esta alegria do jogo é somente uma parte deste, uma vez que devido a mesma estrutura da alma e a dolorosa experiência da vida, o homem lúdico sempre regressa à silenciosa melancolia, que Platão já nos descreveu. A própria vida é um jogo que amiúde nos trata mal. De fato, experimentamos o sentimento de estar a mercê das aparentes e atrozes casualidades do acaso, de estarmos implicados em uma materialidade terrena que nos parece imprópria para a natureza de nosso espírito amiúde, inclusive indigna para ele . Quanto mais o homem compreende a ideia de que somente Deus “é digno da ditosa seriedade” (utilizando, mais uma vez, os termos de Platão), mais se sente capturado pela engrenagem do jogo terreno; um jogo que se deve suportar dignamente o homem deve representar seu papel na vida terrena até o fim . Isto deve ser entendido desde sua fugacidade do temporal. Plotino expressou esta ideia em um de seus mais belos textos de toda sua mística do jogo, onde todo o terreno a política, a conquista, o assassinato, o homicídio e, em geral, tudo o que configura a história se nos apresenta como uma simples obra de teatro: “Tudo é um reajustamento de bastidores, uma mudança de cenas, lágrimas de crocodilo e lamentos mímicos”. Mas o homem que não encontra seu descanso em Deus confunde este jogo com a seriedade ou simplesmente entra em uma desesperação frívola . Por certo, aqui ressoam conjuntamente o implacável espiritualismo neoplatônico e a profunda experiência do conhecimento melancólico do mundo. “Não a alma, mas sim apenas sua sombra externa representa este jogo. O homem que só vive no mundo inferior do externo não se dá conta de que também suas sérias lágrimas tem sua origem no jogo. Somente com aquela parte do homem que é nobre e séria podemos nos consagrar a um trabalho sério; a outra parte do homem não é mais que a fátua engrenagem do jogo. Aqueles que não sabem ser sérios, ainda no mecanismo do jogo, pois eles não são mais que a fátua engrenagem do jogo. Assim, também quando Sócrates joga, não deixa de se apresentar como o Sócrates superficial” (Plotino, Enéada III , 2, 15).
Mas o homem, o verdadeiro gnóstico, o Cristo, o que se encontra no meio justo entre a terra e o céu seja capaz então de conceber toda sua vida e os acontecimentos do mundo como um único e enorme teatro (pois sabe dos secretos fios que, por detrás do cenário, dirigem tudo), sem cair na melancolia motivada pelos desenganos da vida nem no anelo do terrenal. Para ele, a seriedade e a alegria estão irmanadas com Deus. Clemente de Alexandria, deixando transluzir a sabedoria estoica de forma cristã, nos diz: “Desta maneira atua o gnóstico na peça de teatro da vida, com um papel irrepreensível que o homem tem que viver por imposição divina, pois o gnóstico sabe o que deve fazer e o que deve suportar” (Stromata VII, II, 65).