VIDE: SABEDORIA DOS PROFETAS
A SABEDORIA DA PROFECIA NO VERBO DE JESUS (AustinFusus)
- Modos e manifestações do Espírito (ruh) e a maneira que é comunicada à matéria e forma
- Alento da Misericórdia no ato criativo é o movimento de alívio da pressão interior dentro da Realidade, que assim leva a existência do Cosmos criado
- Conceito de Espírito — complementar ao de alma (enquanto polo passivo e experiencial) — é pura luz, em sua fonte, mas ao nível físico se manifesta como fogo e calor na vida cósmica
- Relação entre Espírito e Natureza como um relacionamento de parentesco em uma escala macrocósmica na qual o Espírito é o Pai e Natureza a mãe.
- Ilustração no contexto humano por Jesus como produto tanto de Maria que personifica a “água” da Natureza, e Gabriel, que representa o sopro do verbo-semente do Espírito
- Jesus é de modo especial o que todo homem é potencialmente: um espírito consagrado dentro de Sua Natureza
A maior parte deste capítulo trata dos vários modos e manifestações do Espírito (ruh) e da maneira como ele é transmitido à matéria e à forma. Em particular, ele trata do papel do Espírito na criação de Jesus e também de seus poderes de reavivamento.
Até o momento, nesta obra, Ibn Arabi falou em termos do Sopro do Misericordioso ao discutir o ato criativo, descrito como um movimento de alívio da pressão interna dentro da Realidade, cuja expressão traz a existência do Cosmos criado. Entretanto, ao discutir a natureza e a atividade do Espírito aqui, ele está preocupado com aspectos mais particulares desse ato espontâneo de alento criativo. As duas palavras mais importantes que ele usa nesse contexto são ruh (espírito) e nafakha (soprar). Em relação à Respiração primordial (nafas), a primeira é o seu conteúdo, enquanto a segunda descreve um modo de sua operação. O Espírito, cuja raiz, em árabe, está intimamente relacionada à raiz nafasa, denota claramente a realidade viva de Deus, Sua consciência viva, que, como polo ativo, infla, insemina, irradia e informa a passividade sombria da substância primordial, da Natureza original. Assim, também fica claro no tratamento do assunto por Ibn Arabi que os conceitos de sopro, impregnação de sementes, irradiação de luz e enunciação de palavras estão intimamente relacionados em sua mente, assim como estão no conhecimento espiritual da maioria das tradições religiosas. É provavelmente o último desses conceitos relacionados, palavra-informar, que fornece uma pista para o título deste capítulo, já que a palavra Profecia em árabe (nubuwwah) vem da raiz naba’a, que significa “informar”, sendo um profeta (nabi) um receptáculo particular e especial para a Palavra divina, assim como, em um sentido mais universal, todo o Cosmos (‘alam) é “informado” (criado) pelo Espírito divino, suas múltiplas formas constituindo pistas (a’lam) das quais os “inteligentes” podem aprender (ilm) a verdade.
O conceito de Espírito — como seu outro complemento, a alma, que é seu polo passivo e experiencial — é complicado pelo fato de que sua manifestação difere de acordo com o nível existencial em que está sendo considerado. Assim, o Espírito, em sua fonte, é considerado como pura luz, enquanto no nível físico ele se manifesta como o fogo e o calor da vida cósmica, representando, como o faz, o pulso da vida-realidade, a expressão do Ser, em todos os níveis da criação divina — a manifestação do Ser. Na origem, é pura consciência de Identidade, mas à medida que se estende cada vez mais, experiencia-se como Palavra de comando e semente impregnante.
Como em outras partes desta obra, Ibn Arabi fala da relação entre o Espírito e a Natureza como sendo, por assim dizer, uma relação parental em uma escala macrocósmica, na qual o Espírito é o Pai e a Natureza, a Mãe. Enquanto a primeira é vista como ativa, luminosa e dominadora, a segunda é considerada passiva, escura e receptiva, aquela matriz primordial que está sempre pronta para receber a impressão determinante do Espírito. Às vezes, essa relação é expressa em termos do Intelecto Universal e da Alma Universal ou, em termos mais corânicos, a Caneta e a Tábua. Talvez a melhor maneira de explicar a diferença entre a Natureza e a Alma, por um lado, e entre o Espírito e o Intelecto, por outro, seja o fato de que o primeiro termo em ambos os casos é ontológico, enquanto o segundo termo é experiencial. Assim, enquanto se pode dizer que a Natureza é a realidade da receptividade passiva, a Alma denota a experiência dessa realidade; da mesma forma, enquanto o Espírito denota a realidade da verdade ativa, o Intelecto pode ser visto como a consciência de ser essa realidade. Assim, no contexto da criação e da automanifestação, temos mais uma expressão da polaridade sujeito-objeto e sua dependência mútua.
No contexto humano ou microcósmico, Ibn Arabi ilustra um exemplo particular e especial desse relacionamento no caso de Jesus, que é o produto tanto de Maria, que personifica a “água” da Natureza, quanto de Gabriel, que representa, por meio de seu sopro, a palavra-semente do Espírito. A criação de Jesus é um caso especial, pois, ao contrário da maioria dos homens, o Espírito impregnou Maria não por meio dos lombos de um homem mortal, mas diretamente pelo instrumento angélico, como no caso da revelação ao próprio Jesus como profeta de Deus. Sua profecia, no entanto, ou “ser informado” pela Palavra divina, não foi apenas verbal, mas também vital, na medida em que o “sopro” espiritual do qual ele era um canal transmite o Comando divino em todos os seus modos. Assim, em virtude dos meios diretos de ser gerado, Jesus foi capaz de comunicar o Espírito divino não apenas verbalmente, mas também vitalmente, já que o Espírito vivifica em todos os níveis.
Assim, Jesus foi, de maneira especial, o que todo homem é potencialmente, ou seja, um espírito consagrado na forma natural, que nada mais é do que o Espírito consagrado em Sua Natureza. Ao longo do capítulo, Ibn Arabi está preocupado, como sempre, em explicar o paradoxo de “Ele” e “outro que não Ele”, para tentar deixar claro em que sentido Jesus, ou qualquer outra coisa, é ele mesmo em vez de Ele mesmo, ou até que ponto é o próprio Jesus ou o próprio Deus que fala e revive. Essa, é claro, é a questão do tema subjacente e constantemente recorrente da Unicidade do Ser, cuja essência o autor se vê incapaz de explicar satisfatoriamente devido à polarização inerente da linguagem.