INTRODUÇÃO — O QUADRO DOS TRATADOS DA ALMA E O QUADRO DA GNOSE HERMÉTICA
A edição magistral do De Anima de Tertuliano pelo Prof. Waszink (Amsterdam, 1947) permite enfim tomar esta obra em sua plena inteligência estudando-a em seu contexto histórico. Tratado datado do início do século III, se coloca entre os Placita de Aetius, o Epitomeu de Arius Dídimo, o Didaskalikos de Albinus e por outro lado, Plotino e sua escola. Quanto aos tratados do Corpus Hermeticum a crítica costuma datá-los no século II. Razão pela qual o tratado de Tertuliano precisa ser investigado em seu contexto filosófico, e Festugière se propõe justamente examinar o tratado De anima dentro do quadro filosófico daquela época, especialmente dentro da gnose hermética do Poimandres.
Festugière se empenha em demonstrar sua argumentação pondo em paralelo os possíveis excertos de filósofos de sua época com partes de seu tratado. Destaque para o Placita de Aetius, o Didaskalikos de Albino, os excertos herméticos sobre a alma do Discurso de Hermes a Ammon apresentados por Estobeu, e o Peri psyches Jâmblico. A organização deste último tratado pode ser reconstituída da seguinte forma:
A ) A longa parte sobre a natureza e a encarnação da alma, na qual se inserem os fragmentos sobre o intelecto e sobre a memória.
- Natureza da alma
- Poderes da alma: a alma deve ser dividida em três partes propriamente ditas (mere) ou em faculdades (dynameis); questão disputada nas escolas depois de Aristóteles.
- Memória e intelecto: “Tais são os poderes mais comuns, há ainda outros poderes da alma que lhe são próprios a ela mesma sem todavia dela constituir parte essencial como a memória que é a retenção da imagem”. Vêm em seguida os poderes comuns ao animal e ao homem (sensação, imaginação e memória). Enfim vêm os poderes mais elevados que são particulares ao homem. Este fragmento sobre a alma é seguido por um sobre o intelecto, ou melhor sobre o hegemonikon = logos.
- Atividades da alma: onde Jâmblico se pergunta se a alma, que é motor do corpo permanece ela mesma imóvel ou móvel.
- Atos da alma: que trata da questão de saber se todas as almas, divinas, humanas, animais, têm as mesmas atividades ou se existem diferenças entre elas.
- Número das almas: onde se discute o problema se o número das almas é limitado (Platão, platônicos, Plotino) ou ilimitado (Epicuro, e outros).
- Encarnação da alma: lugar de origem das almas, modo e tempo da encarnação.
- Escolha de vida: fim último (telos) da atividade humana, e em seguida do gênero de vida que se impõe à escolha do homem.
- Morte do vivente
- Escatologia
B ) A parte escatológica
Como se pode ver Jâmblico e Tertuliano se alimentam em uma mesma fonte filosófica e adotam uma mesmo enquadramento do tema. Este quadro encontra-se na gnose pagã e cristã.
Festugière resume então este quadro ou matriz de pensamento, através de um exame da organização temática do tratado Poimandres: