Universo e consciência são dois aspectos do todo, assim como qualidade e substância constituem dois aspectos de uma única entidade. Universo é um atributo (dharma) de consciência que o porta (dharmin) como sua substância.
Diz-se que a “substância” é o repouso no qual todo esse grupo de categorias se manifesta e se torna efetivo. Agora, para que não te irrites, [insistimos que] toda esta classe de mundos, entidades, elementos e categorias (tattva) repousa em consciência e [repousando nela] é como é.
Assim, consciência contém tudo, no sentido de que é o fundamento ou base (ādhāra) de todas as coisas, seu próprio ser (sattā) e a substância da qual são feitas. Mas, diferentemente do Brahman do Vedānta Advaita, não é a base real (adhişţhāna) de uma projeção irreal ou ilusão. Consciência e seu conteúdo são essencialmente idênticos e igualmente reais. São duas formas da mesma realidade. Consciência é tanto o substrato quanto o que sustenta: ser/estar-ciente perceptivo e seu objeto. A esse respeito, o Xivaísmo da Caxemira é francamente e sem reservas um idealista. Embora não negue a realidade do objeto, sua posição está em desacordo com as formas de realismo mais comumente aceitas. O realista sustenta que o conteúdo percebido é independente do ato de percepção. O conteúdo é apenas acidentalmente um objeto de percepção e não sofre nenhuma alteração no processo de ser percebido. Sua alegação, no entanto, é essencialmente inverificável; para verificá-la, teríamos que conhecer um objeto sem percebê-lo. Isso, do ponto de vista dos Xivaísmo da Caxemira, não é possível. Objetos dos quais não temos conhecimento podem, de fato, existir, mas só podem ser conhecidos como objetos se estiverem relacionados a sujeitos que os percebem. Nesse sentido, se não houvesse sujeitos, não poderia haver objetos. O sujeito, entretanto, em oposição ao objeto, é, em termos da fenomenologia da percepção, aparente para si mesmo. Ele é autoluminoso (svaprakāśa). Assim, consciência (a essência da subjetividade) é o próprio ser/estar-ciente, em virtude da qual todas as coisas existem.
O realista sustenta que consciência difere claramente de seu objeto na medida em que suas propriedades são contrárias uma à outra. O idealista xivaíta, entretanto, diz que o objeto é uma forma de consciência (vijñānākāra). O status objetivo do objeto é a própria cognição. A percepção manifesta seu objeto e o torna imediatamente aparente (sphuţa) para aqueles que o percebem. Não aparece em nenhum outro momento. Se o “azul” existisse à parte da cognição do “azul”, duas coisas apareceriam: ‘azul’ e sua cognição, o que não é o caso. É a percepção do objeto que constitui sua natureza manifesta. Uma entidade se torna um objeto de conhecimento não em virtude da própria entidade, mas pelo nosso conhecimento dela. Se os objetos tivessem a propriedade de fazer com que outros objetos aparecessem, seria possível que um objeto fizesse com que outro aparecesse à sua própria semelhança. O “azul” é percebido como “azul” porque se manifesta como tal para quem o percebe. Como Abhinava aponta:
A [natureza de um] objeto de conhecimento não poderia ser estabelecida por um meio de conhecimento totalmente não relacionado a ele — um corvo não se torna branco porque um cisne [sentado ao lado dele] é branco.
Percepção, por outro lado, é imediatamente aparente para consciência. É autoluminosa no sentido de que é conhecida diretamente sem a necessidade de ser conhecida por quaisquer atos posteriores de percepção e torna seu objeto conhecido ao mesmo tempo. Adotando a doutrina budista do Yogācāra de que as coisas percebidas necessariamente juntas são as mesmas (sahopalambhaniyamavāda), o xivaíta afirma que, como o percebido nunca é encontrado separado da percepção, eles são de fato idênticos. A realidade (satya) é o ponto em que o inteligível e o sensível se encontram na unidade comum do ser; não se pode dizer que ela exista em si mesma fora e à parte do conhecimento ou da visão. Bhagavatotpala, em seu comentário sobre as Estrofes sobre Vibração, cita
Quando o objeto é reduzido à sua natureza autêntica, conhece-se [a verdadeira natureza da] consciência. O que, então, [resta da] objetividade? O que [de fato poderia ser] mais elevado do que consciência?
Consciência é essencialmente ativa. Cheia da vibração de sua própria energia engajada no ato da percepção, manifesta-se externamente como seu próprio objeto. Quando o ato de percepção termina, consciência reabsorve o objeto e se volta para si mesma para retomar sua natureza interna indiferenciada.
Conhecimento (jñāna) se manifesta interna e externamente como cada entidade individual …. Uma vez que o conhecimento tenha assumido essa forma, volta-se [para dentro de si mesmo].
O budista Yogācāra sustenta de forma semelhante que consciência cria suas próprias formas. Mas, de acordo com ele, como o percebido e a percepção são idênticos, não há nenhum objeto percebido. O chamado mundo exterior é meramente um fluxo de cognições, não é real. Está firmemente comprometido com a doutrina da ilusão. A realidade da consciência, do seu ponto de vista, é estabelecida ao se provar a irrealidade do universo.
“Tudo isso consiste apenas no ato da consciência”, diz Vasubandhu, “porque entidades irreais aparecem, assim como um homem com visão defeituosa vê um cabelo ou uma lua irreais, etc.”.
Aponta os sonhos como exemplos de construções puramente subjetivas que parecem ser realidades objetivas. A realidade aparente que os sonhos possuem não é derivada de nenhum mundo concreto e objetivo, mas apenas da ideia de objetividade. Embora o Yogācāra não diga que uma ideia tem, por exemplo, atributos espaciais, ela tem uma forma que os manifesta. Embora concorde com o Xivaísmo idealista que as aparências não têm existência independente além do fato de aparecerem para a consciência, afirma que, por essa razão, são irreais. A criatividade da consciência consiste em sua diversificação em muitos modos com aparente externalidade; não é uma criação de objetos.