Dyczkowski (MDDV:79-80) – criação e maya

Quando o poder da ser/estar-ciente (awarenesss) dá origem a um senso de separação entre sujeito e objeto, com todas as limitações consequentes que impõe a si mesmo, este poder é chamado de ‘Māyā’. Como Māyā, encobre a consciência (consciousness) e obscurece o ser/estar-ciente do sujeito individual de sua unidade essencial. Enquanto o Vedānta não dualista sustenta que Māyā é um princípio indefinível que dá origem à ilusão cósmica da multiplicidade falsamente sobreposta à unidade indivisa do absoluto, de acordo com o Śaivismo da Caxemira, Māyā é o poder do absoluto de aparecer em diversas formas. A separação entre sujeito e objeto é o produto de um ato criativo e não de uma ilusão:

A variedade de sujeitos e objetos com suas diferenças características é manifestada pelo poder criativo do Senhor, que os conhece.

A liberdade criativa (svātantrya) do absoluto e seu poder ilusório de Māyā são idênticos. Quando se reconhece que o poder da consciência é a expressão espontânea do absoluto que se manifesta na variedade de formas que assume sem comprometer sua unidade essencial, ele é experimentado como a vibração pura (spanda) de sua liberdade. Se, no entanto, a efusão cósmica (yiśvollāsa) da consciência é sentida como consistindo de elementos diversos e conflitantes, o mesmo poder é chamado de Māyā. O campo de operação da liberdade do absoluto é o reino da consciência universal, enquanto o de seu poder de Māyā é o mundo da existência transmigratória. A diferença entre eles se baseia no grau de insight que temos sobre a natureza da realidade. Devido a esse poder, o objeto parece ser projetado fora do sujeito, embora esteja sempre manifestado dentro dele e seja a realidade interna do objeto. A criação da diversidade é, portanto, definida como “a projeção (ksepa) da própria natureza no Si a partir do Si”. Abhinava explica:

A criação é fazer com que aquilo que brilha internamente se manifeste externamente enquanto ainda preserva sua natureza interna original. Portanto, (o objeto) deve ser manifestado por aquilo em relação ao qual se diz que é interno e que torna o interno manifesto externamente.

Por outro lado, a destruição momento a momento do conteúdo objetivo da consciência ocorre por uma inversão do movimento do interno para o externo. O objeto, em outras palavras, nunca é destruído, mas meramente retirado para a realidade interna do sujeito. Os ensinamentos do Spanda concordam com a doutrina budista da momentaneidade apenas na medida em que aplica-se à objetividade exterior. Embora a percepção e todas as ocorrências fenomênicas possam ser analisadas em uma série de momentos (ksana), a vida diária não pode ser inteiramente compreendida em termos de tais unidades de momento. A mudança é uma atividade dentro do absoluto que só pode ser compreendida adequadamente em termos de ação consciente e não como um processo mecânico. Cada ato é parte de um único movimento contínuo que procede do agente — o Ser puro da consciência introvertida — até sua conclusão final no resultado, que é o objeto ou ação (kārya). A realidade externa do Devir é o efeito que emerge da causa, a realidade interna do Ser, assim como a ação emerge do agente. É uma onda de atividade que surge do potencial infinito do agente. Todo evento é uma parte do ritmo maior do evento cósmico total. Todo objeto é parte do objeto universal e todo sujeito participa da agência do sujeito universal. Ksemarāja escreve:

Portanto, o Senhor cria e destrói apenas o aspecto objetivo do percebedor, ou seja, o corpo, etc., mas não o aspecto subjetivo, que é a luz da consciência do “eu”, porque, embora encarnado, o sujeito é, na realidade, um com o Senhor. Assim, entre os dois — sujeito e objeto — o último é perecível, enquanto o primeiro é a liberdade da consciência e é imortal. Pois mesmo quando o mundo é emanado e absorvido, (o sujeito) não se afasta de sua verdadeira natureza. Se ele fizesse isso, a emanação e a absorção do mundo não seriam manifestas (pois não haveria ninguém para percebê-las).

Mark Dyczkowski