A interioridade (antaratva) é a tônica tanto da metafísica quanto da prática xivaísta da Caxemira: é uma “doutrina que sustenta que tudo é interno” (antarārthavāda). Tudo, de acordo com essa visão, reside em uma consciência absoluta. Ela é a grande morada do universo. Plenitude (pūrna) de todas as coisas, sustenta todas e as envolve em sua natureza infinita e onipresente. Utpaladeva escreve:
Ó Senhor, alguns, muito perturbados, movem-se perplexos (bhramanti) dentro de si mesmos, enquanto outros, bem estabelecidos [em si mesmos], vagueiam naquilo que é apenas o seu próprio Si.
Todos os eventos são acontecimentos vivenciados conscientemente. De acordo com Somānanda, somente aquilo que hipoteticamente existe fora da consciência pode ser considerado inexistente (avastu) e, portanto, falso. A vida cotidiana levada adiante sem o conhecimento de que tudo se manifesta dentro da consciência é ilusória ou irreal apenas nesse sentido. As coisas são mais reais ou mais tangivelmente experimentadas de acordo com sua própria natureza essencial (svabhāva) na medida em que reconhecemos que são aparências (ābhāsa) dentro da consciência absoluta. Como diz Jayaratha:
Assim como as imagens manifestadas em um espelho, por exemplo, são essencialmente meras aparências, assim também são [fenômenos] manifestos dentro da consciência. Portanto, por serem externos, [os fenômenos] não têm ser (sattva) próprio. O Senhor diz isso [não com a intenção de dizer algo sobre a natureza das coisas], mas para elevar o nível de consciência das pessoas que estão apegadas às coisas externas; portanto, tudo nesse sentido é essencialmente uma mera aparência. [Sabendo disso], para acabar com a ilusão da dualidade, a pessoa não deve se apegar a nada externo.
A experiência definitiva é a percepção de que tudo está contido na consciência. Podemos descobrir isso de duas maneiras. Ou fundimos o mundo externo ao sujeito interno ou consideramos o externo como uma forma grosseira do interno. Dessas duas maneiras, chegamos a reconhecer que todas as coisas residem em nossa própria consciência, assim como a consciência reside nelas.
Essa interioridade abrangente só é possível se houver uma identidade essencial entre o universo e a consciência. Os eventos que constituem o universo são sempre eventos internos que acontecem dentro da consciência porque sua natureza essencial é a própria consciência. Só podemos explicar o fato de que as coisas aparecem se houver uma identidade essencial entre a consciência e o objeto percebido. Se um objeto físico fosse realmente totalmente material, ou seja, parte de uma realidade independente e externa à consciência, nunca poderia ser experimentado. Abhinava diz:
A existência ou não existência de fenômenos dentro do domínio do empírico (iha) não pode ser estabelecida a menos que estejam dentro da consciência. De fato, os fenômenos que repousam dentro da consciência são aparentes (prakāśamāna). E o fato de aparecerem é, por si só, sua unidade (abheda) com a consciência, porque consciência nada mais é do que o fato de aparecer (prakāśa). Se alguém dissesse que estão separados da luz [dessa consciência] e que apareceram [seria o mesmo que dizer que] o ‘azul’ está separado de sua própria natureza. Entretanto, [na medida em que aparece e é conhecido como tal] diz-se: ‘isto é azul’. Portanto, nesse sentido, [os fenômenos] repousam na consciência; não estão separados da consciência.