Quando Tat perguntou a Hermes, no Tratado XIII, se esse novo corpo composto pelos Poderes um dia se dissolveria, o Mestre respondeu: “Cuidado com a sua linguagem, não diga coisas impossíveis, pois isso seria um pecado…. Não sabes que nasceu um deus e um filho do Um, que é o que também sou” (XIII 14). Uma vez divinizado aqui embaixo, graças, por um lado, ao progresso da vida espiritual e, por outro lado, como resultado dessa súbita transformação que o tornou um novo homem composto pelos membros do Verbo, o hermetista não morre mais. Pelo menos, em sua morte, se divide entre o elemento material e o elemento divino. É essa escatologia que devemos considerar agora, de acordo com a exposição final dos Poimandres (I 24-26).
Durante sua descida pelas esferas, o homem celestial, nascido da Luz, cobriu-se com um certo número de vestes ou envoltórios, tantos quanto o número de esferas, ou seja, sete vestes. E como as esferas planetárias já são matéria (neste tratado, fogo), necessariamente essas vestes são de natureza material, são vícios ou paixões que acorrentam ainda mais a alma à matéria. Nascidos da união de Anthropos e Natureza, os primeiros sete homens, que mais tarde se tornariam os primeiros sete casais dos quais emergiu toda a humanidade, já contêm, como resultado de seu pai, não apenas uma parte espiritual e divina, o intelecto, mas também uma parte material, ou pelo menos uma parte contaminada pela matéria, as vestes astrais. De sua mãe, a Natureza, por outro lado, os primeiros sete homens recebem apenas matéria; é a Natureza que fornece o corpo material. O que acontece na morte e após a morte consiste, portanto, em um duplo despojamento. Para retornar totalmente puro ao intelecto divino, o homem verdadeiro (ou seja, o intelecto humano) deve abandonar não apenas tudo o que vem de sua mãe, mas também tudo o que o Homem Celestial, contaminado pelos Governadores planetários, trouxe para a Terra de uma substância que já é material. E esse duplo despojamento da alma espiritual ocorrerá na ordem inversa do que pode ser chamado de “re-vestimento” do Homem Celestial. Essa alma deixará primeiro o elemento material que o Homem Celestial encontrou por último, ou seja, a matéria da Natureza, em uma palavra, o corpo fornecido pela Natureza. E, por último, deixará o elemento material que o Homem Celestial encontrou pela primeira vez em sua queda, ou seja, a veste astral da esfera mais elevada.
Para a morte:
a. — o ethos, ou seja, penso eu, o temperamento que depende, para cada pessoa, da maneira como os quatro elementos estão misturados dentro dela, o ethos, agora inativo, é entregue ao demônio (aqui, penso eu, o daimon que, ao nascer, toma conta da criança recém-nascida); — os sentidos corporais retornam às suas respectivas fontes, as Energias das estrelas; — as paixões irascíveis e concupiscíveis, irracionais, vão para a Natureza sem razão.
Tudo isso, como podemos ver, está do lado da matéria, incluindo o que Platão chama de thymos e epithymetikon, ou seja, tudo de natureza moral que é dependente da matéria individual ou cósmica.
b. Após esse despojamento inicial, a alma começa sua ascensão. Ou seja, ela se eleva através da estrutura das esferas, abandonando, em cada zona, a paixão com a qual o Homem celestial havia se revestido durante sua descida: para a 1ª zona (Lua), a faculdade de crescer e minguar (isso está diretamente relacionado à Lua, que também cresce e mingua); para a 2ª (Mercúrio), a malícia e a astúcia; para a 3ª (Vênus), a ilusão do desejo; ao 4º (Sol = hegemon das estrelas), a paixão do comando; ao 5º (Marte), a audácia e a temeridade; ao 6º (Júpiter), os apetites ilícitos que a riqueza proporciona (Júpiter proporciona riqueza e honras, Vett. Val. 2. 24 e segs., 16.20, 183.13); no sétimo (Saturno), as mentiras que armam ciladas (Saturno é um velho astuto e desonesto). “E então”, continua o texto (I 26), “despojado das vestimentas produzidas pela estrutura das esferas, o intelecto entra na natureza Ogdoádica (o 8º Céu, que é puro éter, pura luz), não tendo mais nada em si além de seu próprio poder. Mas se eleva ainda mais, até os Poderes divinos que estão acima da natureza Ogdoádica (essas são as Formas arquetípicas mencionadas no início). Pois esse é o fim abençoado daqueles que possuem o Conhecimento: tornar-se Deus” (theothenai I 26).