A criação é inteligível e Deus, o Real, é perceptível e visível segundo as pessoas de Fé, e as pessoas de Experiência e Insight verdadeiros. Quanto aos que não pertencem a nenhuma dessas duas categorias, o Real é inteligível e a criação é visível. Estes últimos são como a água amarga e salgada, enquanto os primeiros são como a doce e agradável água, própria para beber. [Fusus]
A verdadeira condição das questões, na visão de Ibn Arabi, é bem diferente do que é normalmente considerado como real: a única verdadeira existência pertence ao Um e é esse Um que é visível em todas as manifestações. “As Coisas” não têm existência nelas mesmas exceto como lugares de manifestação e reflexos das expressões da Unidade primordial. Pode-se muito bem perguntar: que diferença faz se este é o caso? Uma visão da realidade não é tão válida como a outra? Ibn Arabi responde com surpreendente clareza: uma completa diferença de sabor. Aqueles que possuem verdadeiro insight apreciam e são imbuídos de tudo o que é bom e verdadeiro e, assim, alcançam o significado da verdadeira felicidade. A doçura e o prazer inerentes à existência estão aí para qualquer um que vê as coisas como elas verdadeiramente são, ou acredita nesta visão. Vale notar que esta “crença” não é uma apreciação intelectual nem tampouco uma convicção cega, mas algo intrínseco e que é sentido mais no coração. Como é próprio de Ibn Arabi, um mestre do Alcorão e do Hadith, aqui também ele está sutilmente aludindo à imagem alcorânica como base para aquilo que explica:
Foi Ele quem fez fluir os dois mares: um de água doce e agradável ao paladar e o outro de água salgada e amarga à língua, e entre eles colocou um istmo e uma barreira para que ficassem separados. [Corão 25:53]
Este verso alcorânico é seguido de outro que descreve a criação da humanidade como vinda da água. Ibn Arabi, por isso, emprega os dois mares para referir-se a dois grupos distintos de pessoas. Nós — que somos feitos de água — necessariamente pertencemos a um dos dois mares. Aqueles que consideram a criação visível e Deus invisível permanecem na ilusão da multiplicidade e, portanto, sentem o gosto do amargo e do salgado; aqueles que encontram a Realidade da Unicidade veem Deus diretamente e sentem o gosto da doçura e do prazer. O istmo ou barreira que separa os dois é a discriminação, a capacidade de distinguir a realidade da ilusão, a Unicidade da multiplicação. [SHCI]