Aqui, em resumo, estão alguns “conceitos” peculiares a Houang-po, pelo menos como P’ei Sieou achou por bem registrá-los, e que é importante não entender mal. O fato notável sobre esses conceitos é que, desde a existência do método de iluminação gnoseológica conhecido como Conhecimento Transcendente (Prajñāpāramitā), eles podem ser definidos tanto em seu sentido cotidiano, de acordo com a “verdade relativa”, quanto em seu sentido “desperto”, na dimensão da “verdade absoluta”.
(1) “Mente” [Esprit], no sentido relativo, designa a alma, a mente, o coração, todos os fatos psicológicos, etc. No sentido absoluto, designa a Realidade, “espiritual” do ponto de vista de sua extrema sutileza. A originalidade do Ch’an de Hong-tcheou está em sua insistência, dogmatizada pelo Zen japonês, na onipresença da Realidade e, especialmente, de seu funcionamento na mente humana, minha mente. Na maioria das vezes, a palavra “mente” é acompanhada de um qualificador como “fundamental”, “puro”, “original”, etc., para indicar que ela se refere à Realidade absoluta.
(2) “Não-mente”, sinônimo de “Caminho”, é uma excelente maneira de nos lembrar que a mente única é a Realidade e não um estado mental específico, um pensamento preciso ou uma sensação vaga. Acho que o discurso de Houang-po está essencialmente focado nesse problema: aquele que descobre o significado da palavra “mente” não precisa mais procurar o Buda.
(3) O Buda relativo é um “desperto”, em contraste com um “não desperto que, tendo entendido mal, vagueia” e tem o nome técnico de “ser vivo”. Para Houang-po, esse Buda é um obstáculo, pois o Buda absoluto é a Realidade, a unidade clara de todos os opostos.
(4) “Realização”, sinônimo de “coincidência silenciosa”, no satori japonês, nada mais é do que a atualização da Realidade, intelectualmente “compreendida”, na experiência vivida. No momento da realização, o informe [flou] se torna uma evidência perfeita e, na unidade do sujeito e do objeto, os “seres da razão” reentram na “vastidão”, de acordo com a terminologia cartesiana…
(5) Para traduzir os termos filosóficos chineses t’i, sing e siang, escolhi os termos escolásticos e spinozianos “substância”, “essência” e “atributos”, que, ao que me parece, se prestam muito bem à descrição da Realidade.
Substância” (t’i, dhâtu) refere-se à combinação de essência e atributos. Para Spinoza, assim como para o budismo do grande veículo, a substância da mente-Realidade é una e infinita: assim é a mente una de Houang-po.
Essência” (sing, svabhãva) é a parte imutável de tudo e seu ser fundamental. Em termos contemplativos, é chamada de “verdadeira natureza”, “estado natural”, e pouco importa de quem ou do que essa essência é a “natureza intrínseca”, já que, in vivo, fica claro que qualquer “visão da essência” é uma imensidão infinita e pacífica chamada “vazio”.
Os “atributos” (siang, laksana e nimitta) são a expressão da essência, uma expressão sem a qual a substância não poderia existir. Houang-po, juntamente com os seguidores da pureza primordial, sustenta (afirma) que a essência e os atributos são um só na Realidade e até mesmo que tudo o que percebemos e experimentamos é um atributo da mente-Realidade, um atributo e não a própria Realidade. O ensinamento de Houang-po, portanto, se estende ao método de reconhecer “a coisa em sua expressão”. O objetivo do mestre é nos ajudar a descobrir a paz infinita da essência no âmago da multiplicidade, e é aqui que seu vocabulário ganha nuances. Essência e substância mantêm seu significado, mas os atributos permanecem com esse nome apenas no nível abrangente da verdade absoluta. Dissociados da essência vazia, eles assumem os nomes de “caracteres particulares”, “marcas”, “características”, “conceitos”. Diríamos que não são mais atributos, mas “modos”.
Houang-po, portanto, exorta o adepto a “desapegar-se dos caracteres particulares”, a não mais confundi-los com a essência, força-o a encontrar neles os atributos da Realidade, o que o Atiyoga chama de seus “ornamentos” ou “qualidades” e, finalmente, força-o a reintegrar, por meio de uma “coincidência silenciosa”, a substância eternamente perfeita dessa Realidade. Como um monge budista do Grande Veículo, o despertar de Houang-po é o do Buda como Tathâgata, a personificação da “talidade”, “nada em particular”, mas, acima de tudo, não o nada. Nesse sentido, o Sutra do Diamante e o Ensinamento de Vimalakirti são suas obras de referência favoritas. Com eles, expressa toda a parte descritível dessa maravilha infinitamente sutil, sempre no limiar do absurdo, à beira do niilismo, e ainda assim é pura compaixão, uma expressão espontânea e não-referencial da Realidade realizada.