Vamos primeiro mencionar o significado comum e “popular” de “orgulho” ou “egoísmo”. A Bhagavad-Gītā frequentemente usa o termo nesse sentido, e Śaṅkara não procura, de forma alguma, ler nele, nesse tipo de contexto, um significado mais abstrato, mais “filosófico”. Em II 71, por exemplo, ele se contenta, ao explicar a expressão nirahaṃkārah, em usar uma expressão da própria Gītā (em XVI 17): ātṃasabhāvanārahitah[111] “não apaixonado por si mesmo” (BGBh. II 71, p. 40). Da mesma forma, em XVIII 58, ele identifica ahaṃkāra com convicção: “Eu sou um erudito”1. E tudo isso não é uma mera adaptação, mais ou menos condescendente, à linguagem pré-filosófica do Gītā. Pelo contrário, sempre que o contexto o exige, Śaṅkara tem o cuidado de enfatizar a oposição dos dois registros de significado, assim, em XVIII 24, onde Kṛṣṇa proclama: ‘o ato realizado à custa de muito esforço por um agente ávido por prazer, ou dotado de ahaṃkāra, é chamado de râjasic’, ele comenta nestes termos: ‘…. Quando falamos aqui do ahaṃkāra possuído (pelo agente râjásico) não estamos nos referindo àquele ego (que o conhecimento da Realidade destrói), mas ao egoísmo, no sentido mundano, do qual aqueles versados no Veda são desprovidos. Aquele que, no sentido absoluto, é desprovido de ego, é o conhecedor do ātman, e não pode ser um agente que multiplica esforços em prol do prazer. O autor de um ato, mesmo de caráter sáttvico, se ele não conhece o ātman, é (no sentido absoluto) dotado de ego, a fortiori os autores de atos râjasicos e tâmasicos. É no mundo que uma pessoa versada no Veda, mas ignorante do ātman, passa por desprovida de ego. Diz-se que “esse Brahman é nirahaṃkārah” (no sentido de “desinteressado”)2. Assim, Śaṅkara distingue claramente três níveis hierárquicos de experiência. Primeiro, o do “conhecedor do ātman” que, livre do ego, absolutamente falando, e, portanto, a fortiori de todo egoísmo ou egocentrismo empírico, não é mais o autor de qualquer ato, mesmo de natureza “sáttvica”. Depois, a do agente “sáttvico” que, embora desinteressado no plano moral, ainda se considera implicitamente um ego, porque não realizou o ātman. Finalmente, a do homem comum, “râjásico” ou “tamásico”, que é dotado de ahaṃkāra em ambos os sentidos do termo.
Hulin (PEPIC:110-112) – a noção de ahamkara (Bhagavad Gita)
Bhagavad Gita, Michel Hulin (1936), Sankara (séc. VIII)
- Bhagavad Gita (II, 16-20) – Si mesmo
- Bhagavad Gita (II, 47-48) – frutos das ações
- Bhagavad Gita (II. 60-63) – delusão
- Bhagavad Gita (II) – falta de discernimento
- Bhagavad Gita (III. 36-38) – desejo
- Bhagavad Gita (IV) – Quando o bem se enfraquece
- Bhagavad Gita (IX,30-31) – bhakti
- Bhagavad Gita (RGEH)
- Bhagavad Gita (V. 20) – indiferença
- Bhagavad Gita (VII. 14) – Maya