Izutsu (ST) – Autoconhecimento

O que foi dito anteriormente deixou claro que o Absoluto per se é incognoscível e que permanece um mistério obscuro mesmo na experiência mística de “desvelamento” (kashf) e “saborear imediato” (dhawq). Em condições normais, o Absoluto é conhecível apenas em suas formas de automanifestação. A mesma coisa pode ser expressa de forma um pouco diferente, dizendo que o homem só tem permissão para conhecer o Absoluto quando ele desce ao estágio de “Deus”. A seguir, a estrutura dessa cognição será analisada. A questão central será: Como e onde o absolutamente incognoscível aparece como “Deus”?

Ao responder a essa pergunta, Ibn Arabi afirma enfaticamente que a única maneira correta de conhecer o Absoluto é conhecermos a nós mesmos. E ele baseia essa visão na famosa Tradição que diz: ‘Aquele que se conhece conhece seu Senhor’. Para Ibn Arabi, o que é sugerido é que devemos abandonar o esforço fútil de conhecer o Absoluto per se em sua não-manifestação absoluta, que devemos voltar à profundidade de nós mesmos e perceber o Absoluto conforme ele se manifesta em formas particulares.

Na visão de mundo de Ibn Arabi, tudo, não apenas nós mesmos, mas todas as coisas que nos cercam, são muitas formas da automanifestação Divina. E, nessa capacidade, não há objetivamente nenhuma diferença essencial entre elas. Subjetivamente, porém, há uma diferença notável. Todas as coisas exteriores que nos cercam são para nós “coisas” que observamos apenas de fora. Não podemos penetrar em seu interior e experimentar por dentro a vida Divina que pulsa dentro delas. Somente no interior de nós mesmos somos capazes de penetrar por meio de nossa autoconsciência e experimentar por dentro a atividade Divina de automanifestação que está ocorrendo aí. É nesse sentido que “conhecer a nós mesmos” pode ser o primeiro passo para “conhecer o Senhor”. Somente aquele que se tornou consciente de si mesmo como uma forma da automanifestação Divina está em condições de ir além e se aprofundar no segredo da vida Divina que pulsa em todas as partes do universo.

Entretanto, nem todo autoconhecimento do homem leva ao limite máximo do conhecimento do Absoluto. Ibn Arabi, a esse respeito, divide em dois tipos a maneira de conhecer o Absoluto por meio do autoconhecimento do homem. O primeiro é o ‘conhecimento do Absoluto (que pode ser obtido) na medida em que (“tu” és) “tu” ‘ (ma’rifah bi-hi min hayth anta), enquanto o segundo é o ‘conhecimento do Absoluto (que pode ser obtido) por meio de “tu” na medida em que (“tu” és) “Ele”, e não na medida em que (“tu” és) “tu” ‘ (ma’rifah bi-hi min hayth huwa la min hayth anta).

O primeiro tipo é o modo de raciocínio pelo qual se infere Deus a partir de “tu”, ou seja, a criatura. Mais concretamente, consiste no fato de que a pessoa se torna consciente das propriedades peculiares à natureza criatural do “tu” e, em seguida, alcança o conhecimento do Absoluto pelo processo de raciocínio de eliminar todas essas imperfeições da imagem do Absoluto e atribuir a ela todas as propriedades opostas. A pessoa vê, por exemplo, a possibilidade ontológica em si mesma e atribui ao Absoluto a necessidade ontológica, que é o seu oposto; a pessoaem si mesma a ‘pobreza’ (iftiqar), ou seja, a necessidade básica em que se encontra de outras coisas além de si mesma, e atribui ao Absoluto o seu oposto, isto é, a ‘riqueza’ (ghina) ou a autossuficiência absoluta; a pessoaem si mesma a ‘mudança’ incessante e atribui ao Absoluto a constância eterna, etc. Esse tipo de conhecimento, diz Ibn Arabi, é característico de filósofos e teólogos e representa apenas um nível extremamente baixo do conhecimento de Deus, embora, com certeza, seja uma espécie de “conhecer o Senhor conhecendo a si mesmo”.

O segundo tipo também é o conhecimento de “Ele” por meio de “tu”. Mas, nesse caso, a ênfase não está em “tu”, mas definitivamente em “Ele”. Consiste em conhecer o Absoluto — embora em uma forma particularizada — conhecendo o “eu” como uma forma de auto-manifestação direta do Absoluto. É o processo cognitivo pelo qual se chega a conhecer Deus, tornando-se consciente de si mesmo como Deus que se manifesta nessa forma específica. Vamos analisar esse processo de acordo com a própria descrição de Ibn Arabi. Três estágios básicos são distinguidos aqui.