A visão de mundo filosófica de Ibn Arabi é, de forma concisa, uma visão de mundo da automanifestação Divina (tajalli), pois, como vimos, enquanto o Absoluto permanecer em sua absolutez, não poderá haver nada na existência que possa ser chamado de “mundo”, e a própria palavra “visão de mundo” perderia todo o significado na ausência do mundo.
O princípio de tajalli, do lado do mundo, é a “prontidão” (ou aptidão ontológica), e o mesmo princípio de tajalli, do ponto de vista do Absoluto, é constituído pelos Nomes Divinos. O presente capítulo tratará tematicamente do problema do tajalli na medida em que ele se relaciona diretamente com os Nomes Divinos.
A teologia islâmica discute como um dos temas básicos a questão de se um Nome (ism) é ou não é o mesmo que o “objeto nomeado” (imusamma). Ibn Arabi dá sua resposta a essa questão teológica dizendo que um Nome e seu “objeto nomeado” são iguais em um sentido e diferentes um do outro em outro sentido.
A razão pela qual eles são uma e a mesma coisa é que todos os Nomes Divinos, na medida em que invariavelmente se referem ao Absoluto, nada mais são do que o próprio “objeto nomeado” (ou seja, a Essência [dhat] do Absoluto). Cada nome é um aspecto especial, ou forma especial, do Absoluto em sua automanifestação. E, nesse sentido, cada Nome é idêntico à Essência. Todos os Nomes Divinos, em outras palavras, são “as realidades das relações” (haqa’iq al-nisab), ou seja, as relações que a Realidade Única mantém com o mundo e, nesse sentido, todos eles são a própria Essência Divina vista do ponto de vista das várias relações especiais causadas pelo fenômeno da automanifestação Divina.
As relações que o Absoluto pode possivelmente manter com o mundo são infinitas, ou seja, para usar a terminologia peculiar de Ibn Arabi, as formas da automanifestação Divina são infinitas em número. Consequentemente, os Nomes Divinos são infinitos. Entretanto, eles podem ser classificados e reduzidos a um certo número de Nomes básicos. Por exemplo, é geralmente reconhecido que o Alcorão apresenta noventa e nove Nomes de Deus.
Esses Nomes, sejam infinitos ou finitos em número, também podem ser considerados por si mesmos, independentemente da Essência à qual se referem. Em outras palavras, eles podem ser considerados como muitos Atributos independentes. Considerado dessa forma, cada Nome tem sua própria “realidade” (haqiqah), pela qual se distingue do restante dos Nomes. E, nesse aspecto, um Nome é diferente do “objeto nomeado”.
Ibn Arabi explica esse ponto fazendo referência ao famoso sufi do Ocidente, Abu al-Qasim b. Qasi (falecido em 1151).
É isso que Abu al-Qasim b. Qasi quer dizer quando afirma em seu livro Tirando as Sandálias que todo Nome Divino carrega em si todos os Nomes Divinos e todas as suas propriedades; isso porque todo Nome indica tanto a Essência quanto o significado particular do qual é o Nome e que é especialmente exigido por este último. Assim, cada Nome, na medida em que aponta para a Essência, contém todos os Nomes, mas na medida em que aponta para seu próprio significado, é diferente de todos os outros, como “Senhor”, “Criador” ou “Doador das formas” etc. O Nome, em suma, é o mesmo que o “objeto nomeado” em relação à Essência, mas não é o mesmo que o “objeto nomeado” em relação ao seu próprio significado particular.