Aprendemos no capítulo anterior que o nome “Caminho” é, afinal de contas, apenas uma improvisação, uma expressão forçada para o que não deve ser nomeado. A palavra “Caminho” é um símbolo convenientemente escolhido para se referir a algo que, a rigor, está além até mesmo da indicação simbólica. Com esse entendimento básico, entretanto, podemos usar — como o próprio Lao-tzu faz — o termo para descrever a visão de mundo metafísica de Lao-tzu e Chuang-tzu.
Ficará claro que, dos três aspectos primários do Absoluto, que Lao-tzu distingue: o Mistério (hsuan), o Não-Ser (wu) e o Ser (yu), apenas o primeiro é aquele ao qual a palavra “Caminho” se aplica adequada e diretamente. Os demais, isto é, o Não-Ser, o Ser e até mesmo as “dez mil coisas” que emanam do último, são, todos eles sem exceção, o Caminho, mas não primordialmente. Eles são o Caminho no sentido de que representam vários estágios do Mistério dos Mistérios à medida que ele vai se determinando. Em outras palavras, cada um deles é o Caminho em um sentido secundário, derivado e limitado, embora, no caso do Não-Ser, que nada mais é do que pura Negatividade, a “limitação” ou “determinação” seja tão fraca e leve que é quase o mesmo que “não-limitação”.
É verdade, entretanto, que mesmo o estágio do Não-Ser não é o estágio último e absoluto do Caminho, desde que o conceito de “Não-Ser” seja entendido em oposição e em contradição com o conceito de “Ser”. Para alcançar o estágio último e absoluto do Caminho nessa direção, temos que negar, como faz Chuang-tzu, o próprio conceito de Não-Ser e a própria distinção entre Não-Ser e Ser, e conceitualmente colocar Não-[Não-Ser], mais exatamente, Não-[Não Não-Ser]. Isso foi aprendido na primeira parte do capítulo anterior.
No presente capítulo, não estaremos mais preocupados principalmente com esse aspecto absoluto do Caminho, mas sim com aquele aspecto em que ele se volta para o mundo empírico ou fenomenal. Nossa maior preocupação será com o problema da atividade criativa do Caminho. Sendo esse o caso, nossa descrição aqui começará com o estágio que está ligeiramente abaixo, por assim dizer, daquele do Mistério dos Mistérios.
Acabei de usar a frase: “o estágio que é ligeiramente inferior ao do Mistério dos Mistérios”. Mas esse é o último e derradeiro estágio que podemos esperar alcançar se, partindo do mundo das coisas fenomenais, subirmos estágio após estágio em busca do Absoluto. Pois, como vimos acima, o Mistério em si não tem nada a ver com o mundo fenomenal. E isso nos faz entender imediatamente que, quando Lao-tzu diz:
O Caminho é o Celeiro das dez mil coisas,
ele se refere, com a palavra Caminho, ao “estágio que é ligeiramente inferior” ao Mistério dos Mistérios. É exatamente nesse estágio que o Caminho deve ser considerado o celeiro das dez mil coisas. É nesse estágio que ele começa a manifestar sua criatividade. A palavra “celeiro” dá claramente a imagem do Absoluto como a própria fonte ontológica de todas as coisas, no sentido de que todas as coisas estão contidas nele no estado de potencialidade. Lao-tzu se refere a esse aspecto do Absoluto como “o eterno (ou absoluto) Não-Ser” ou o “Sem Nome”. Deve-se notar que se diz que o “Sem Nome” é o “Início do Céu e da Terra”. O Absoluto no estágio de “Sem Nome” ou “Sem Ser” ainda não é, de fato, o Céu e a Terra. Mas está destinado a ser o Céu e a Terra. Ou seja, ele já é potencialmente o Céu e a Terra. E a expressão: ‘Céu e Terra’ é aqui claramente sinônimo do termo mais filosófico, ‘Ser’.