Precisamos retornar ao que constitui a intuição fundamental de Sohravardi. Ela despoja as coisas existentes de todas as suas características inessenciais (quantidade, qualidade, relações, lugar, pertencimento a uma espécie específica) e nos permite perceber nelas o que as torna o que são, a origem interna de seu ato de presença no mundo.
O conhecimento da aparência é o que chamamos de representação (‘ilm suri), enquanto o conhecimento real é o conhecimento do ato de presença, ou seja, a manifestação do ser em ato no ser. Sohravardi chama esse conhecimento de conhecimento presencial (‘ilm hodûri). Seu objeto é o foco da existência que determina a essência de cada coisa. Molla Sadra, nos Glosas do Livro Um, enfatiza esse ponto. Ele afirma que a verdade do pensamento de Sohravardi não está em uma “filosofia das essências”, mas em uma ontologia fundada na primazia da existência. Cada coisa seria, antes de tudo, uma certa manifestação da existência; seu ser essencial, constitutivo de sua quididade, seria apenas a consequência, a “queda” da intensidade mais ou menos forte desse ato de existir.
Ora, Sohravardi, fiel nesse ponto a Avicena, ou melhor, à sua leitura de Avicena, afirma claramente que a essência de um ser é o que ele é, independentemente de qualquer outra consideração, quer consideremos que o ser em questão existe ou não. A existência seria, então, apenas um “atributo” da essência, ou melhor, da quididade, em outras palavras, uma “maneira de ver”, de um certo ponto de vista, uma essência estável. Vale a pena ler os muitos comentários de Molla Sadra. O que eles dizem? Que Sohravardi estava errado? Não, mas que o par essência-existência é dependente do conhecimento representacional, que é inadequado para a expressão da verdade, conforme fornecido pelo conhecimento presencial. Molla Sadra mostra que Sohravardi mudou a questão decorrente do peripatetismo, que ele não está mais no terreno de Avicena e que o vocabulário da essência é apenas um vestígio inútil e obscuro. Ele afirma que a grande descoberta de Sohravardi é a seguinte: a realidade autêntica de cada coisa está além de sua quididade, ela reside além da essência e da existência dessa coisa, porque ela engendra, no mesmo movimento de existenciação, a essência e o ato de existir. Sohravardi chama essa realidade de “Luz”.
É claro que Molla Sadra, por sua vez, é obrigado a se situar dentro da estrutura lexical da ontologia. Ele teve de escolher um termo para se opor à essência ou à quididade. Assim, ele chama a Luz de “existência”. Mas esse termo, “existência”, “o ato de existir”, não deve ser tomado como significando o que, em Avicena, era simplesmente um “modo de considerar” a essência, como se Molla Sadra estivesse “revertendo” o peripatetismo enquanto retém sua problemática fundamental. Para ele, a filosofia Ishraqi não se torna uma “metafísica da existência” em oposição à “metafísica das essências”. A “primazia da existência” dá um significado radicalmente novo ao termo, um significado que Sohravardi foi capaz de elucidar, mesmo que ainda na antiga linguagem de Avicena: a existência é Luz, e sua primazia no ser significa a inadequação da essência e da existência, concebidas como os constituintes da quididade, para descrever autenticamente o ser do ser.
É por isso que Sohravardi entendeu bem Avicena, quando afirma que, segundo ele, a existência é um “atributo” da quididade. É claro que Avicena nunca pensou que o ato de existir fosse “adicionado” à essência, como a calvície a Sócrates. Mas, pelo menos em sua filosofia exotérica, ele pensava na relação entre essência e existência como a de duas essências. Como se uma pudesse se tornar a outra, como se fossem qualificações do ser. O que está faltando é a presença, a manifestação, o surgimento original do ser, que é o único que nos permite falar de existência e essência. A Luz que não é existência, mas existenciação e essenciação da substância. A leitura errônea de Sohravardi é, portanto, o sintoma de sua profunda ruptura e, por sua vez, a inversão de Molla Sadra é a leitura correta de Sohravardi.