Frithjof Schuon

O ESOTERISMO COMO PRINCÍPIO E COMO VIA

Segundo Shankara, a Realidade universal comporta graus, em virtude de um elemento de ilusão que os determina de diferentes maneiras. Atma, ou Brahma, é o único absolutamente real; é o Si-mesmo inefável e suprapessoal do qual derivam e participam todas as consciências relativas. Ele é oculto por Maya, que cria a ilusão da separatividade e da existência, portanto, do mundo, das criaturas, dos objetos e dos sujeitos. Diríamos, independentemente de Shankara, que essa Maya — que coincide com a relatividade ou a contingência — é uma emanação do Si-mesmo em virtude da infinidade deste último, isto é, que a infinidade exige, por sua natureza de certa forma transbordante, a expansão universal, enquanto a absolutez, pelo contrário, exclui, por definição, todo desdobramento e toda diversificação. Mas Shankara deixa em suspenso esta questão da origem metafísica de Maya e não fala desta a não ser de modo relativamente prático. Para ele, Maya é indefinível quanto à sua causa, mas o jnânt sabe que ela existe, visto que nela se encontra mergulhado; Ele sabe igualmente que ela é ilusória, uma vez que pode escapar-lhe; Ele obtém esta liberação pela discriminação intelectual e por uma concentração profunda e metódica sobre a sua própria essência, que, em última análise, não é outra senão o infinito Si-mesmo.
Shankara não cogita em negar a validade relativa dos exoterismos, que, por definição, se interessam pela consideração de um Deus pessoal. Este é o Absoluto refletido no espelho limitativo e diversificador de Maya; é Ishwara, o Príncipe criador, destruidor, salvador e punidor, e o protótipo “relativamente absoluto” de todas as perfeições. Esse Deus pessoal e todo-poderoso é perfeitamente real em si e, principalmente, em relação ao mundo e ao homem; mas não está menos ligado a Maya que ao Absoluto propriamente dito. Para Shankara, o monoteísmo personalista é válido e, portanto, eficaz no âmbito de Maya. Mas, como o espírito humano se identifica em sua essência — na verdade, dificilmente acessível — com o supremo Si-mesmo, é-lhe possível, com a ajuda da Graça, livrar-se da dominação da Ilusão universal e atingir sua própria Realidade imutável.

Segundo os vedantinos, não se pode explicar Maya, embora não se possa deixar de constatar sua presença; Maya, como Atma. não tem origem nem fim. Com efeito, a noção hindu da “Ilusão”, Maya, coincide com o simbolismo islâmico do “Véu”, Hijâb: a Ilusão universal é um poder que, por um lado, esconde e, por outro, revela; é o Véu diante da Face de Allâh, ou ainda, segundo uma extensão do simbolismo, é a série dos setenta mil véus de luz e obscuridade que, por clemência ou rigor, velam em parte a Resplandecência fulgurante da Divindade.
Na ordem divina, ou do princípio, convém considerar primeiramente o Absoluto, à medida que se desdobra em Maya ou sob a forma de Maya; desse segundo ponto de vista, “toda coisa é Atma”. De maneira análoga, mas no âmbito de Maya mesma, pode-se encarar as coisas, primeiro em si mesmas, portanto, do ponto de vista da existência separada que as determina na qualidade de fenômenos e, em segundo, no Ser, portanto, como arquétipos. Todo aspecto de relatividade — mesmo de princípio — ou de manifestação, é vyakta, e todo aspecto de absolutez — mesmo relativa -ou de não-manifestação, é avyakta.
Se entendemos por Maya a sua manifestação cósmica global, poderemos dizer que Atma se reflete em Maya e, aí, assume uma função central e profética, Buddhi, e que Maya, por sua vez, se encontra prefigurada em Atma e antecipa ou prepara a projeção criadora. Na mesma ordem de ideias: é Maya contida em Atma — é, portanto, o Ishwara criador — que produz o Samsara ou o macrocosmo, a hierarquia dos mundos e o encadeamento dos ciclos. E é Atma contido em Maya — no Mantra sacramental — que desfaz o Samsara na qualidade de microcosmo. Mistério de prefiguração e mistério de reintegração: o primeiro é o da Criação e também o da Gordon Estado Primordial; o segundo é o do Apocatástase e também o da Salvação.

Zimmer

Maya, da raiz ma, “medir, formar, construir”, denota, em primeiro lugar, o poder de um deus ou demônio em produzir efeitos ilusórios, mudar de forma e aparecer sob máscaras enganosas. Deriva daí o sentido de “magia”, a produção de ilusões por meios sobrenaturais ou, simplesmente, “o ato de produzir ilusões”, como por exemplo na guerra, a camuflagem, etc. (cf. infra, p. 94). Maya, na filosofia vedantina, é especificamente “a ilusão sobreposta à realidade como efeito da ignorância”; por exemplo: ignorantes da natureza de uma corda em meio ao caminho, podemos tomá-la por uma cobra. Sankara descreve todo o universo visível como sendo maya, uma ilusão sobreposta à realidade pelos enganosos sentidos e pela mente não iluminada do homem (compare com Kant em Crítica da Razão Pura; observe também que, para o físico moderno, uma unidade diminuta de matéria pode aparecer como partícula ou como onda de energia, conforme o instrumento usado para sua observação). Cf. Heinrich Zimmer, Myths and Symbols in Indian Art and Civilization, Bollingen Series VI, Princeton 1946, índice, em Maya. (N.T.: edição mais recente, 1974.) [Zimmer]

Índia e China