Nisargadatta (NMIA) – não-nascido

11 de dezembro de 1979

Maharaja: Durante o sono, a consciência fica adormecida e, quando você se levanta, a consciência diz: “Tive um bom sono”. Você pode dar a ela o nome que quiser — corpo, mente — mas é um atributo que estava adormecido durante o sono, não são os sentidos que estão lhe dizendo. O corpo-alimento sempre terá desejos; a entidade [beingness] é a fragrância do mesmo corpo. Antes disso, eu não me conhecia; era um estado sem experiência. De repente, as oito pistas (cinco elementos e três gunas) de experiência e conhecimento foram alimentadas com muitas informações — nascimento, corpo e assim por diante — e, com tudo isso, comecei a sofrer. Meu guru me iniciou em uma investigação sobre mim mesmo. Será que eu vivenciei meu nascimento e meus pais? Eu não tinha, então rejeitei. No processo, comecei a investigar minha própria existência, que era um estado temporário, portanto, eu o eliminei. Agora estou livre do medo, pois sei que esse estado desaparecerá. Não tenho medo de minha entidade porque experimentarei o mesmo (o desaparecimento da entidade). Por causa dos conceitos, eu me considerava uma personalidade e, devido a esse estado conceitual, meu verdadeiro estado sofreu.

Assim como eu o admoesto, ouço meus amigos, seus pensamentos falam comigo, até mesmo visões aparecem, e eu os mando calar a boca. Eu admoesto os pensamentos e as visões. Alguém vai brigar com seus pensamentos? Quando esses pensamentos estranhos ou alheios são deixados de lado, o Si começa a brotar e a transmitir conhecimento. Então, é o princípio realizado que prevalece, o qual nunca foi criado, mas se comporta como se tivesse sido criado. Quem observa ou testemunha então? “Eu, o Absoluto”. Se não há pensamentos, não há medo, e então o Si brota.

Na ausência de entidade, o que estou fazendo? Meus filhos que ainda não nasceram, o que eles estão fazendo? O mesmo que eu fazia antes do surgimento da entidade. O mundo, a mente e tudo o mais são expansivos, como essa calamidade ocorreu com a chegada da entidade? Portanto, devo investigar a causa do problema, ou seja, a entidade. Em vez de investigar o mundo, pense em como você chegou a esse complexo corporal.

O corpo cai, mas o que aconteceu comigo? Pois esse princípio, para o qual você não obtém resposta, é perfeito, qualquer resposta que você obtenha está errada. Se eu pensar neste mundo, por que não deveria me perguntar sobre o que é anterior à consciência? Se eu abordar essa questão, devo investigar o que é esse princípio de “eu sou”? Eu preferiria brincar com aquela criança que ainda não nasceu porque o Parabramhan eterno e as crianças que ainda não nasceram são iguais.

Você quer ter conhecimento. O que quer dizer com isso? Agarre-se ao princípio que entende, reconheça os pensamentos e fique quieto. Para seu bem, o que você é? Investigue isso. Esqueça quem está torturando quem; estabilize-se em seu ser mais confidencial como “você é”. O que é você? Investigar os problemas do mundo manifesto pode ser resolvido mais tarde. Não há resposta certa para “quem é você?”, nenhuma resposta é a mais correta; qualquer resposta que você obtenha não é eterna. Esse princípio eterno e não nascido está falando agora e foi acusado de nascimento. Sinto que sou culpado”. Qualquer que seja a culpa que você aceite, terá de sofrer. Em um país não visitado, ocorre um roubo e a polícia o prende aqui. Se você aceitar, sofrerá, talvez uma prisão perpétua. Eu não aceito a acusação; não visitei esse lugar. Não sou um ladrão. Eu alego que — “minha única culpa é que eu aceito que nasci”. Desista! Não nasci por conta própria com meu conhecimento; eu não tinha conhecimento de minha existência. O Absoluto não tem escopo, ele não nasceu. Antes do meu surgimento (entidade), nunca me ocorreu que eu era, portanto, onde está a possibilidade de me sentir culpado? Se você tivesse sabedoria, rejeitaria a entidade. Sem corpo significa sem conhecimento, sem consciência; no estado original, os cinco elementos e os três gunas não estão lá.

Aquele que assimila o que estou dizendo agora não tem motivo para ser infeliz. O mundo está cheio de infelicidade emocional. Um verme nasce de um alimento decomposto. Eu não sou esse verme, embora seja feito de comida, a entidade é produto da comida.

Para realizar o Si, agarre-se ao conhecimento de que “você é”. Faça isso aos pés de seu guru — sua existência significa “Ishwara”, que também é o guru, que é o Si. Pés significa “charan”, char — mover — que lhe dá movimento, esse princípio [entidade] inicia o movimento. A fusão do indivíduo com o universal acontece por meio de Sadhana (prática).

Os cinco sentidos da ação e os cinco sentidos do conhecimento agem por si mesmos? Os cinco elementos dão origem aos cinco sentidos do conhecimento. Para a manifestação, oito deles — os cinco elementos e os três gunas — produzem a essência. O Sattva guna produz o mundo manifesto das formas, o conhecimento de que “eu sou” é criado simultaneamente. O que é criado é o conhecimento da existência; o indivíduo assume que esse conhecimento pertence a ele. Há uma existência individual nesta sala. Mas todo o mundo manifesto é Ishwara, Ishwara é como uma cidade, Ele está aí. Como você acredita que é um indivíduo, você morre, a diferença é que o indivíduo morre, enquanto Ishwara, a manifestação inteira, não morre; ela não tem limitações como as do indivíduo.

Estou vivenciando o mundo manifesto, mas antes dele vivencio o “Bindu”, o ponto. Quando eu sou esse Bindu, tudo é, o mundo também é. O Bindu e o mundo não são dois. “Bin” significa sem e “du” significa dois, portanto, não há dualidade. Bindu — o ponto do “eu sou”, eu experimento isso. O que é isso? É a própria experiência dos cinco elementos e dos três gunas — o universo inteiro. Essa é a minha relação íntima com esse “eu sou” apenas — apenas Bindu.

Você faz peregrinações para que algo de bom aconteça a você como indivíduo. Mas você não é um indivíduo, você é o mundo manifesto. Esse “você é” significa o mundo inteiro, qualquer manifestação que você desfrute é universal. Esse conhecimento é para os poucos e raros, mas em vez dessa manifestação (“você é”), você se apega à individualidade.

O que quer que seja observado no mundo manifesto é o seu próprio Si. O observador é “eu sou”, é um receptáculo dos cinco elementos e dos três gunas. O universo inteiro está em atividade por causa dos três gunas. O jogo do mundo inteiro é baseado nos cinco elementos e nos três gunas. Mas você se apega ao seu corpo; o corpo também é um jogo dos cinco elementos e dos três gunas. O universo inteiro está em plena atividade, é como urinar. Se você se considera um indivíduo, você é uma gota. Uma gota do oceano é salgada e o sabor salgado é o conhecimento “Eu sou”. Suponha que essa gota seque, o oceano não se importa — uma gota do oceano secando na rocha. Da mesma forma, no jogo dos cinco elementos, você é uma gota, ou sobrevive ou morre, e o oceano elementar não se importa. Mas como entender essa natureza manifesta? Seja o sabor, entenda o sabor. Milhões de gotas secam, mas o oceano não se preocupa. Milhões morrem, mas como os cinco elementos estão preocupados? Como você se limita ao corpo, você sofre.

A pessoa realizada não pode ter nenhuma ideia de bem para si mesma; para ela, mesmo que o mundo inteiro seja destruído, nada acontecerá. A pessoa realizada, é claro, não é mais uma pessoa. Não há mais nada, exceto o núcleo de seu Si — Bindu, nada mais existe. Somente Krishna disse que não há mais nada. Você medita incessantemente para alcançar o Samadhi, mas esse conhecimento brotará somente de você. Como sou anterior a isso (consciência), falei de Bindu. Agora, o que acontece com a consciência, quando você é anterior a ela? No estado de vigília, como você descobre que está dormindo? O que você faz durante o sono profundo?

Visitante: just be (só ser)

M: você deleita esse ‘só ser’?

V: não

M: Sua entidade não deleita ser no sono profundo. Você tem consciência de ser homem ou mulher no sono profundo? Descubra o que você é, você sabe que “você é”, descubra, então, quaisquer que sejam seus requisitos, você saberá. A essência sutil do alimento é a vida; mais sutil ainda é a qualidade do conhecimento. O conhecimento “você é” é como uma partícula do céu, é mais sutil do que o espaço e pode reconhecer o espaço.

V: Que relação tem com a vida?

M: A vida inteira é suportada e sustentada pela partícula de conhecimento “eu sou”. Sem o “eu sou” não há vida. Elas são interdependentes, não uma sem a outra. Eu sou anterior ao “eu sou”, que é verdadeiro, eterno e imutável. A entidade, o mundo e o corpo são limitados pelo tempo, sua vida não é eterna, ela se eleva e se estabelece como os estados de vigília e sono se alternam. A totalidade da manifestação prospera enquanto a entidade estiver presente. A água da chuva não tem sabor, mas dela você obtém muito, adiciona ingredientes e bebe. Eu lhe dou comida pura, mas você a acha insípida, então você a polui, adiciona sal à comida para dar gosto.

Nisargadatta Maharaj (1897-1981)