Excertos da obra organizada por Yvette Centeno, contendo fragmentos do espólio de Fernando Pessoa dedicados ao esoterismo.
Horizontal, a S. deitada, contraria à ascensão.
Caminho da evitação (ascensão por evitação, attainment by avoidance).
O duplo SS pode ser, por exemplo, Shakespeare.
(x) A S. não se «ergue»; ergue só a cabeça. (?)
Letras da S. (?) R (cabeça) S (corpo) C (cauda).
Intercalar o EA RUX (?)
R (Ratio) S (Spiritus) C (Corpus).
(x) S. com asas, primeira vertical ao nível de AA-MM, sendo as asas os ramos entre Intuição-AA e Intuição-MM.
O Caminho da S. / Livro que o não é / ;
’’(Esp. 53-50)’’
Três ramos ascendentes, com três ordens de subida em cada um. Ao todo são sete ordens, sendo três angulares, seis externas, uma interna. Considerar isto.
Na ordem externa inferior esquerda, Ordo Solis, a congregação dos infiéis, a quem só o Sol, realidade externa, é visível, atual ou simbolicamente.
Na ordem externa inferior direita, Ordo Signi (Solis), a congregação dos fieis externos, que aceitam não propugnar senão certos princípios abstratos e cristãos, cuja semelhança com outros não veem.
Na ordem interna-externa inferior, Ordo a congregação dos ingressos, sub modo, na O. de C.
Na ordem media esquerda, Ordo Serpentis, a congregação dos iniciados da O. Solis. Na ordem media direita, Ordo Sepulchri, a congregação dos in Na ordem media central (a oculta e sem exterior); Ordo Sebastica, a congregação Ordo Sanctissimorum.
’’(Esp. 53-80)’’
A Serpente, cujo olho direito é o sol em sua gloria…
as lagrimas alquímicas do Cristo (a magia alquímica do Cristo).
É preciso, quando se é Serpente, passar em Satã para chegar a Deus.
A Serpente, retida pela Vesica…. No vértice nada a retém…
Os Evangelhos Sinóticos não são mais do que o Quarto Evangelho em processo de formação…
’’(Esp. 54A-1)’’
A Serpente, que, na ordem divina é o SS, na ordem espiritual direita e na esquerda é na ordem material direita Portugal.
A Serpente é o entendimento de todas as coisas e a compreensão intelectual da vacuidade delas. Seguindo um caminho que não é o de nenhuma ordem nem destino, ela ergue-se á Altura que é a sua origem e evita os logares por onde os homens passam. O entendimento de tudo, a fusão dos opostos, a ciência da indiferença do bem e do mal, a ciência da valia da emoção como emoção e da vontade como vontade, a igual ironia para com os sábios como para com os néscios. No seu culto adulteram os últimos magos no seu nome adolesceram os primeiros.
S _
E R P
E N S
É ignóbil na terra porque não é da terra. É subtil porque está fora.
A tentação de Eva é a admissão da Inteligência na Vida. O fruto proibido é
Conto: «O Senhor das Sete Ordens», indicando exatamente o que se queria fazer.
’’(Esp. 54A-2)’’
Way of the Serpent.
Ela atravessa todos os mistérios e não chega a conhecer nenhum, pois lhes conhece a ilusão e a lei. Assume formas com que, e em que, se nega, porque, como passa sem rasto reto, pôde deixar o que foi, visto que verdadeiramente o não foi. Deixa a Cobra do Éden como a pele largada, deixa Saturno e Satã como pele largada, as formas que assume não são mais que peles que larga.
E quando, sem ter tido caminho, chega a Deus, ela, como não teve caminho, passa para além de Deus, pois chegou ali de fora.
O Caminho da Serpente.
Manuscrito por encontrar.
Foi a Cobra (Serpente) do Éden, mas só em sua pele, e largou a pele. Foi Saturno do Mundo, mas só em sua pele, e largou a pele. Foi Satã de Deus, mas só em sua pele, e largou a pele.
A sua fuga é o seu mistério, e o seu caminho a chave de todos os mistérios. Mas ela não sabe nem do seu mistério nem de todos os mistérios, porque conhece tudo, e conhecer é não existir.
’’(Esp. 54A-3)’’
A consciência transcende a unidade. É o ponto absoluto que só ’existe’ porque para que qualquer cousa exista, tem ele que existir infinitamente nela. O ponto, sendo a negação do espaço é a vida dele.
Way of the Serpent.
No seu feitio de S (que, se se considerar fechado, é 8, e, deitado, igualmente serpentino, Infinito), a Serpente inclui dois espaços, que rodeia e transcende. (O primeiro espaço é o mundo inferior, o segundo o mundo superior.) Em outra figuração serpentina — a da cobra em circulo, a boca mordendo a cauda — reproduz-se, não o S, de que a letra é sinal, mas o circulo, símbolo da terra, ou do mundo tal qual o temos. No feitio de S a Serpente evade-se das duas Realidades e desaparece dos Mundos e Universos.
A ilusão é a substancia do mundo, e, segundo a Regra, tanto no mundo superior como no mundo inferior, no oculto como no patente. Assim, quando fugimos do mundo inferior, por ele ser ilusório, o mundo superior, onde nos refugiamos, não é menos ilusório; é ilusório de outra, da sua, maneira. Só a Serpente, contornando os infinitos abertos — ou os círculos «incompletos» — dos dois mundos foge á ilusão e conhece o principio da verdade.
A magia e a alquimia têm ilusões como a ciência e a sexualidade, que são as suas figurações no baixo mundo. Construímos ficções, com a nossa imaginação, tanto na terra como no céu. O mago, que evoca determinado demônio, e vê aparecer materialmente esse demônio, pôde crer que esse demônio existe; mas não está provado que ele exista. Existe, porventura, só porque foi criado; e ser criado não é existir, no sentido real da palavra. Existir, no sentido real da palavra, é ser Deus — isto é, ter-se criado a si mesmo; em outras palavras, não depender substancialmente de nada e de ninguém.
A G.O. é a libertação, no homem, de Deus, a crucifixão do desfolhável no morto, do perecível no perecido, para que nada pereça. A G.O., em outras palavras, é a criação de Deus.
A magia e a alquimia são caminhos de ilusão. A verdade está só no instinto direto (representado nos símbolos pelos cornos) e na linha direta da sua ascensão ao instinto supremo; no instinto direto, cuja forma ativa é a sexualidade, cuja forma intermédia é a imaginação, fantasia, ou criação pelo espirito, cuja forma final é a criação de Deus, a união com Deus, a identificação abstrata e absoluta consigo mesmo, a verdade.
’’(Esp. 54A-4)’’
Way of the Serpent.
Sendo os números e as figuras os tipos externos da ordem e destino do mundo, a mais simples operação aritmética, algébrica ou geométrica, desde que seja bem feita, contém grandes revelações; e, sem precisão de mais sinais, na matemática estão as chaves de todos os mistérios. Isto não quer dizer — o que seria absurdo — que todos os matemáticos conscientemente nos estão comunicando os sinais de segredos, quando fazem os seus cálculos. Assim, não ha razão para supor que Euclides, nos livros da sua Geometria, tenha tido outra especulação senão a geométrica; mas os livros de Euclides, da primeira proposição á ultima, são sinais reveladores, para quem os saiba ler. Nos próprios irracionais da álgebra estão contidos grandes mistérios.
’’(Esp. 54A-5)’’
Way of the Serpent.
Todo homem, que tenha que talhar para si um caminho para o Alto, encontrará obstáculos incompreensíveis e constantes. Se não fossem mais que os obstáculos que se atravessam e estimulam, pelo perigo ou pela resistência direta, bem iria, e os próprios obstáculos seriam o clarim para o avanço. Mas encontrará outros — os obstáculos reles que vexam e vergam, os obstáculos suaves que adormecem e viciam, os obstáculos ternos que o farão, como Orfeu, volver o erro do olhar para o vedado Averno. Cerca-lo-ão, não só resistências duras, como as que os penhascos erguem como tropeço, mas resistências brandas, como as memórias dos vales, e a dos lares nas faldas. E o triunfo consiste na força para, sabendo sentir essas atrações intensamente (pois não sabê-las sentir é não ter alma para a subida), as submeter á emoção superior; sabendo organizar as vontades do amor e da terra, saber submetê-las á vontade do espirito do mundo. Este processo de vitoria, figuram-no os emblemadores no símbolo da Crucifixão da Rosa — ou seja no sacrifício da emoção do mundo (a Rosa, que é o circulo em flor) nas linhas cruzadas da vontade fundamental e da emoção fundamental, que formam o substrato do Mundo, não como Realidade (que isso é o Circulo) mas como produto do Espirito (que isso é a Cruz).
’’(Esp. 54A-6)’’
Way of the Serpent.
Há em tudo três ordens de coisas: há três ordens de coisas no Ser, três ordens de coisas no Universo, três ordens de coisas no Mundo, e assim por diante. Tudo é triplo, mas o triplo ser de cada cousa consiste em três graus ou camadas, um baixo, outro médio, outro alto. Tudo que se dá numa camada se reflete e figura em outra. É este o principio fundamental de toda a ciência secreta, e assim o representou o Hermes Trismegistos na formula, «o que está em cima é como o que está em baixo, e o que está em baixo é como o que está em cima».
Devidamente entendida, esta formula explica muita cousa. Assim, na astrologia, parece a principio estranho que a posição dos astros no nascimento de um homem, ou no inicio de um empreendimento, mostre, em suas relações e aspectos, o destino desse homem ou o curso desse empreendimento. Não são porém os astros que operam sobre o homem ou o sucesso. Opera sobre eles um destino, e esse destino, que existe como força espiritual numa camada superior, encontra-se representado material, ou mundanamente, nos astros. Quando digo que devo tal sucesso de minha vida a tal aspecto de Saturno, digo, ao mesmo tempo, bem e mal. Digo bem porque, de facto, seguindo a leitura do horóscopo, posso prever esse sucesso pela previsão do aspecto de Saturno, que aparentemente o causa. Não é porém o planeta Saturno que materialmente o causa: é o que o planeta Saturno representa, no mundo material, que causa o sucesso.
Para os efeitos do mundo em que vivemos — não digo a terra, mas o conjunto de matéria animada que forma este universo — as coisas dividem-se em três camadas — a material, a espiritual, e a divina. Entre elas ha uma exata correspondência. Cada uma, por sua vez, se divide em três. A camada material divide-se na camada física ou exterior, na camada magnética ou media, e na camada astral ou interior. A camada espiritual divide-se (incompleto)
’’(Esp. 54A-7)’’
Way of the Serpent.
Cristo, que, na dispensação material é um deus cristão, e na dispensação mágica um deus, é, na dispensação divina, Deus. Na primeira ordem podem ser-lhe dirigidas orações, que terão ou não efeito segundo as regras mágicas dessas operações da fé. Na segunda ordem podem ser-lhe feitas invocações, como a Osíris, que é o mesmo deus, e o efeito derivar-se-á da perfeição do encantamento e do rito. Na terceira ordem não poderão ser-lhe dirigidas orações nem invocações; o processo de união com Elle não pode ser indicado em palavras nem compreendido com a inteligência. Aquele que, tendo chegado até onde esse processo existe como formula de relação, pôde assistir á revelação intima, só esse o saberá, se é que, no mesmo sabê-lo, o souber.
’’(Esp. 54A-8)’’
Way of the Serpent.
Considerar todas as coisas como acidentes de uma ilusão irracional, embora cada uma se apresente racional para si mesma — nisto reside o principio da sabedoria. Mas este principio da sabedoria não é mais que metade do entendimento das mesmas coisas. A outra parte do entendimento consiste no conhecimento dessas coisas, na participação intima delas. Temos que viver intimamente aquilo que repudiamos. Nada custa a quem não é capaz de sentir o Cristianismo o repudiar o Cristianismo; o que custa é repudiá-lo, como a tudo, depois de verdadeiramente o sentir, o viver, o ser. O que custa é repudiá-lo, ou saber repudiá-lo, não como forma da mentira, senão como forma da verdade. Reconhecer a verdade como verdade, e ao mesmo tempo como erro; viver os contrários, não os aceitando; sentir tudo de todas as maneiras, e não ser nada, no fim, senão o entendimento de tudo — quando o homem se ergue a este píncaro, está livre, como em todos os píncaros, está só, como em todos os píncaros, está unido ao céu, a que nunca está unido, como em todos os píncaros.
A luz falsa da realidade, a luz falsa da ficção, a luz falsa da iniciação e do secreto — dia, crepúsculo, noite, que são elas a quem contempla a Razão limpa, a Serpente coleante através de mais que os mundos?
A Serpente está acima das ordens e dos sistemas, e, ainda que ascenda como o sentido deles, dispensa as linhas e os caminhos. O seu movimento, para a direita na ordem inferior das coisas e dos seres, é-o apenas para que possa ser para a esquerda na ordem superior deles. O que os homens não podem conseguir senão dominando-se, ou conjugando-se, ou impondo-se, consegue a Serpente sozinha na sua liberdade. Para ela mandar é subordinar-se á ideia de mandar; livre e cauta, ela segue rasteira através do mundo, e do espirito, até que sai do mundo e do espirito.
Ela liga os contrários verdadeiros, porque, ao passo que os caminhos do mundo são, ou da direita, ou da esquerda, ou do meio, ela segue um caminho que passa por todos e não é nenhum. Ela parte, como o caminho direito e o esquerdo, do Instinto para Deus, mas não sofre a quebra onde os triângulos se unem; não forma angulo consigo mesma.
(Não a traçam os símbolos senão em O ou em S, limitando ou evitando o mundo.) Nem ascende sem quebra, como o caminho médio, do Instinto a Deus. Conhecendo que ha outros caminhos, que não o médio, ela reconhece-os, pois se desvia do médio, e repudia-os, pois não segue a nenhum deles. Ao sair do vértice instintivo, ao sair para o vértice divino, ela roça a curva produzida da vesica envolvente, e assim mostra que sabe dela; mas roça-a e passa-a, e não segue a sua curva nem a sua maneira. Ela assim se distingue de todos os modos e condições de Deus e dos Seres. Onde parece que é igual é diferente, e os dois (por assim dizer) que a formam são opostos em seu feitio e natureza. No baixo mundo ela é a lua crescente, no mundo superior a minguante…
Ela não conhece os mistérios mas os envolve, desvia-se dos caminhos e das iniciações; deixa a ciência por onde passa; nega a magia, que atravessa; e quando chega a Deus não para.
’’(Esp. 54A-9)’’
The Way of the Serpent.
Só o contato com qualquer coisa do Vértice, isto é, da Unidade, dá o poder completo, ou alguma cousa completa no poder, sobre nós e as cousas. Nos graus intermédios a força é muitas vezes confusão, e o conhecimento vertigem. É por vezes imprudente aventurar-se o espirito feliz em caminhos para que não tem bússola. Assim é que, sendo Lytton sem duvida um conhecedor de grandes segredos da ordem menor, isso o não privou de ser um péssimo escritor; não houve magia que o fizesse mestre do próprio equilíbrio e dono da sua personalidade. Com ser iniciado, qualquer que fosse o modo em alguns dos mistérios do próprio Segundo Limiar, não conseguiu Robert Fludd ser senão um expositor confuso e indigesto. Esta falência do domínio estético e superior — e a estética é a saliência da figuração divina, pois a beleza é a forma Divina em matéria — encontra-se frequentemente em homens que são inegavelmente versados nos mistérios do mundo mágico.
Certo que estas considerações podem ser tomadas ao contrario: ha certas disposições intimas e próprias, que fazem com que o indivíduo seja chamado, e assim ele recebe o que nasceu para merecer. Por isto foi que Shakespeare, desde que a Grande Fraternidade o chamou a si sem lhe falar, pôde adquirir aquele comando de sua própria alma que o ergueu, como expressor, acima de todos os poetas do mundo; por isso é que este homem que não buscou, senão com a substancia intima do seu ser, entrou em mais intima (embora inconsciente) posse dos Segredos Maiores do que o buscador Fludd ou o maçon Bacon.
Na «Tormenta» estão dados mais í ntimos mistérios que em todo Fludd, e estão dados em beleza, porque têm o sinal de Deus na Matéria, que é essa mesma beleza.
’’(Esp. 54A-10)’’
Way of the Serpent.
A disposição mundana das coisas, que são geradas pelo Fogo, tem a figura do símbolo do Fogo, que é a Pirâmide (de pyr, que em grego é Fogo). Quer dizer, as Ordens das cousas são Um em cima, Dois a meio, e Três em baixo. São um em cima, porque o vértice é um ponto; são três em baixo porque a pirâmide real tem três faces, cada uma composta de um triângulo equilátero; são dois em meio porque, embora nada em meio seja materialmente, ou numericamente, dois, é dois todavia o que está entre Um e Três.
E assim é que os três graus de significação — o atual ou material, o mágico, e o divino — contêm respectivamente três, duas, e uma ordem, havendo duas pontes, transeptos ou passagens, entre a ordem material e a mágica, e a ordem mágica e a divina.
’’(Esp. 54A-11)’’
Way of the Serpent.
O caminho da Serpente está fora das ordens e das iniciações, está, até, fora das leis (retilíneas) dos mundos e de Deus. O caráter maldito, o aspecto repugnante, da Cobra, traz marcado a sua Oposição ao Universo—profundo e obscuro Mistério Magno. Ela é o Espírito que Nega, mas nega mais, e mais profundamente, do que em geral se entende ou se pôde entender. Nega o bem no seu baixo nível, em que é só Serpente e tenta Eva; nega a verdade no seu segundo nível, em que é nega o bem e o mal no seu terceiro nível, em que é Satã; nega a verdade e o erro no seu quarto nível, em que é Lúcifer; (ou Vênus); nega-se a si mesma e a tudo no seu quinto nível, e fuga, em que é SS, a Revelação Suprema. e a si mesma se tenta e se mata.
Todos os caminhos no mundo e na lei são retilíneos; o caminho da Serpente é a evasão dos caminhos, porque é, substancial e potencialmente, a Evasão Abstrata, o reconhecimento da verdade essencial, que pôde exprimir-se, poeticamente, na frase de que Deus é o cadáver de si mesmo; a descoberta do Triângulo Místico em que os três vértices são o mesmo ponto, o segredo da Trindade e do Deus Vivo, que, em certo modo, é o Homem Morto em e através de Deus Morto.
’’(Esp. 54A-12)’’