Purusha

Segundo o estudo do pensamento de René Guénon, de Vicenza, «DICTIONNAIRE DE RENÉ GUÉNON»:

Purusha pode ser considerado como o elemento essencial do mundo manifestado, o “Supremo Ordenador”, é ele que determina Prakriti e que torna efetivas suas possibilidades, permanecendo inteiramente, no que lhe concerne, absolutamente inafetado. Nada com efeito, não poderia perturbar sua imutabilidade, ele é inacessível e imperturbável, sempre idêntico. Para melhor nos fazer compreender o caráter particular de Purusha, Guénon cita o belo exemplo dos Brahma-Sutras que nos dizem isto a seu respeito: “Como a imagem do sol refletida na água tremula e vacila, em seguindo as ondulações desta água, sem no entanto afetar as outras imagens refletidas nesta, nem com mais forte razão a orbe solar ela mesma, assim as modificações de um indivíduo não afetam uma outro indivíduo, nem sobretudo o Supremo ordenador Ele mesmo” (Brahma-Sutras). Aqui a alma vivente (Jivatma) deve ser vista como sendo a imagem do Sol se refletindo na Água, como sendo, escreve Guénon, “a reflexão (abhasa), no domínio individual e em relação à cada indivíduo, da Luz, principialmente una, do “Espírito Universal” (Atma); o raio luminoso que faz existir esta imagem e a une a sua fonte é o intelecto superior (Buddhi), que pertence ao domínio da manifestação informal. Quanto à água, que reflete a luz solar, ela é habitualmente o símbolo do princípio plastico (Prakriti), a imagem da Passividade Universal; e a princípio este símbolo, adiciona, com a mesma significação, é comum a todas as doutrinas tradicionais”. Purusha é certamente a Luz (Jyotis) da qual tudo participa, “essencial” sem a qual nada não existiria verdadeiramente, Luz que é a “Fonte” original e primeira das existências manifestadas, luz que tem sua estada no coração dos seres como uma Cidade, sublinha Guénon (Puri-shaya); no Lugar interior, na câmara secreta, o santo palácio que é a residência da luz eterna, o centro vital do ser, espaço privilegiado e sagrado do qual é dito: “Nem o sol, nem a luz, nem o fogo não o clareiam: é minha estadia suprema” (Bhagavad Gita). Princípio ativo da manifestação, a Bhagavad Gita distingue em realidade três espécies de “Purushas” dos quais dois residem no mundo, o Purusha dito indestrutível que se encontra em todos os seres, e um segundo indestrutível que se considera como imutável. O terceiro Purusha, que é o mais alto (uttama) dos três, é nomeado Paramatma, o Senhor imperecível que sustenta os três mundos (a terra, a atmosfera e o céu representando os três graus fundamentais entre os quais se repartem todos os mundos da Manifestação). Krishna, no texto sagrado se exprime assim: “Como supero o destrutível e mesmo o indestrutível (Sendo o Princípio Supremo de um e de outro) sou celebrado no mundo e no Veda sob o nome de Purushottama. ” (Bhagavad Gita).

O primeiro dos três “Purushas”, atingido pela mesma contingência que a existência da individualidade, é idêntico a Jivatma (a alma individual), o segundo ou Atma, é o princípio permanente do ser através do conjunto de seus múltiplos estados de manifestação, e, enfim, o terceiro não é outra que Paramatma, a determinação primordial, “o Ordenador Supremo”, o primeiro Princípio, “aquilo pelo qual tudo é manifestado mas que não é manifestado por nada”. (Kena Upanixade).


Já falamos em várias ocasiões do simbolismo da “cidade divina” (Brahma-pura na tradição hindu). É essa a forma pela qual se designa o centro do ser, representado pelo coração, que, aliás, lhe corresponde de fato no organismo corporal; esse centro é a residência de Purusha, identificado ao Princípio divino (Brahma) na qualidade de “ordenador interno” (antar-yami) que rege todo o conjunto das faculdades desse ser por meio da atividade “não-atuante”, que é uma consequência imediata de sua simples presença. O nome Purusha é interpretado, por essa razão, como puri-shaya, ou seja, aquele que reside ou repousa (shaya) no ser como em uma cidade (pura). Essa interpretação decorre evidentemente do Nirukta **, mas A. K. Coomaraswamy observou que, embora não seja assim na maior parte dos casos, neste poderia também representar ao mesmo tempo uma verdadeira derivação etimológica. Esse ponto, em virtude das conexões que permite estabelecer, merece que nos detenhamos um pouco mais longamente sobre ele. [Guénon]


Purusha preenche com sua presença a “cidade divina” em toda sua extensão ou dependência, isto é, a integralidade do ser que, sem essa presença, nada mais seria que um “campo” (kshetra) vazio, ou, em outros termos, uma simples potencialidade desprovida de qualquer existência atualizada. É Purusha que, segundo os textos dos Upanixades, ilumina “esse todo” (sarvam idam) por meio de sua irradiação, imagem de sua atividade “não-atuante” pela qual se realiza toda manifestação, de acordo com a própria “medida” determinada pela extensão efetiva dessa irradiação. […] Purusha se divide na aparência, na origem da manifestação, para residir ao mesmo tempo em todos os seres e em todos os mundos, de modo que, embora sendo sempre essencialmente um e tudo contendo em princípio na sua própria unidade, aparece exteriormente como múltiplo, o que corresponde ainda de forma exata às ideias de plenitude e pluralidade que indicávamos há pouco. É também por isso que se diz que “existem dois Purushas, um destrutível e o outro indestrutível: o primeiro está repartido entre todos os seres; o segundo é o imutável. [Guénon]

Índia e China