René Guénon — Tríades
Excertos da Grande Tríade
Taiji e a “Grande Tríade” da Tradição Chinesa
Isto posto, o que é preciso compreender bem, antes de ir adiante, é que só poderia haver “dualismo”, numa doutrina qualquer, se dois termos opostos ou complementares (e, nesse caso, eles seriam antes concebidos como opostos) nelas estivessem postos, antes de tudo, e considerados como últimos e irredutíveis, sem nenhuma derivação de um princípio comum, o que exclui evidentemente a consideração de qualquer ternário do primeiro gênero. Só se poderia, portanto, encontrar em tal doutrina ternários do segundo gênero e, como estes, conforme já indicamos, só se poderiam referir ao domínio da manifestação, vê-se imediatamente por aí que todo “dualismo” é necessariamente, ao mesmo tempo, um “naturalismo”. Mas o fato de reconhecer a existência de uma dualidade e de situá-la no lugar que lhe convém realmente não constitui, de modo algum, um “dualismo”, a partir do momento em que os dois termos dessa dualidade procedem de um princípio único, pertencente como tal a uma ordem superior de realidade; e é assim, antes de tudo, no que concerne à primeira de todas as dualidades, a da Essência e da Substância universal, oriundas de uma polarização do Ser ou da Unidade Principial, e entre as quais se produz toda manifestação. São os dois termos dessa primeira dualidade que, na tradição hindu, são designados como Purusha e Prakriti e como o Céu e a Terra na tradição extremo-oriental; mas nem uma nem outra, como, de resto, nenhuma tradição ortodoxa, perde de vista, ao considerá-los, o princípio superior de que derivam. Expusemos amplamente, noutras ocasiões, o que é isso em relação à tradição hindu; quanto à tradição extremo-oriental, ela considera não menos explicitamente, como princípio comum do Céu e da Terra (é também, é claro, termos de todas as outras dualidades mais particulares, que são, em suma, apenas especificações daquelas, de modo que, direta ou indiretamente são todas derivadas, em última análise, do mesmo princípio), o que ela chama “Grande Extremo” (Taiji), no qual eles estão indissoluvelmente unidos, no estado “indiviso” e “indistinto” (essa indistinção principal não se deve confundir com a indistinção potencial, que é só a da substância ou materia prima), anteriormente a toda diferenciação (é preciso entender bem que não se trata aqui, de nenhum modo, de uma anterioridade temporal, nem de uma sucessão num modo qualquer da duração), e que é o Ser puro, identificado como tal à “Grande Unidade” (Taiji) (o caráter ji é o que designa literalmente a “cumeeira” de um edifício; por isso, Taiji diz-se simbolicamente residir na Estrela Polar, que é efetivamente a “cumeeira” do Céu visível e, como tal, representa naturalmente a do Cosmo todo) Além disso, Taiji, o Ser ou a Unidade transcendente pressupõe também outro princípio, Wouji, o Não-Ser ou o Zero metafísico (Wouji corresponde, na tradição hindu, ao Brahma neutro e supremo (Para-Brahma), e Taiji à Ishwara ou ao Brahma “não-supremo” (Apara-Brahma)); mas este não pode entrar, com seja o que for, numa relação tal que ele seja o primeiro termo de um ternario qualquer, sendo toda relação dessa espécie possível apenas a partir da afirmação do Ser ou da Unidade (acima de qualquer outro princípio, há ainda o Tao, que, em seu sentido mais universal, é a um só tempo Não-ser e Ser, mas que, por outro lado, não é realmente distinto do Não-Ser enquanto este contém o Ser, que é também o principio primeiro de toda manifestação e se polariza em Essência e Substância ou Céu e Terra) para produzir efetivamente essa manifestação). Assim, em conclusão, tem-se primeiro um ternário da primeira ordem, formado de Taiji, Tien e Ti, e, em seguida, apenas um ternário do segundo gênero, formado de Tien, Ti e Jen, que é aquele que nos habituamos a designar como a “Grande Tríade”; nessas condições, é perfeitamente compreensível que alguns tenham podido pretender atribuir um caráter “dualista” à tradição extremo-oriental.
Além desta notável obra dedicada ao estudo da (“Grande Tríade”), Guénon retornou a este tema em outras obras.