Toshihiko Izutsu
¿Cómo puede el hombre cultivar una habilidad que le permita ver las cosas de manera simbólica? ¿Qué debe hacer para que el velo material que oculta las cosas se alce y descubra las realidades ocultas?
Respecto a esta cuestión, en un pasaje de los Fusus, señala un método muy interesante. Se trata de un tipo de disciplina, de práctica para cultivar lo que llama la «visión espiritual» [‘ayn al-bafira]. Un método que posibilita la transformación interior del hombre.
Ibn Arabi explica dicha transformación en términos de transición del «estado mundanal del ser» [al-nas’a al-dunyawiyya] al «estado del ser alejado del mundo» [al-nas’a al-ujrawiyya]. El «estado mundanal del ser» es aquél en que se encuentra la mayoría de los hombres. Se caracteriza por el hecho de que el hombre, en su estado natural, se halla bajo el completo dominio de su cuerpo, y la actividad de su mente se ve obstaculizada por la constitución física de los órganos corporales. En esas condiciones, incluso cuando intenta entender algo y captar su realidad, el objeto no puede aparecer en su mente sino totalmente deformado. Es un estado en que el hombre se encuentra completamente apartado de las realidades esenciales de las cosas. Para salir de esta situación, según Ibn Arabi, el hombre debe revivir personalmente las experiencias de Elías-Enoc y representar en sí mismo el drama espiritual de la transformación interna simbolizada por ambos nombres. [ST]
Ibn Khaldun
A visão espiritual é o ato pelo qual a alma racional percebe, na sua essência espiritual e por um instante de tempo, as formas dos acontecimentos. Sendo espiritual por natureza, a alma deve conter estas formas em ato como soi acontecer com todas as essências espirituais. Para alcançar a espiritualidade, a alma deve despir-se da matéria e desembaraçar-se das percepções recebidas por meio do corpo. Pode conseguir isso, durante um instante, por meio do sono, como vamos explicar. Tendo recolhido então as noções que procurava relativamente aos acontecimentos futuros, a alma reproduz estes conhecimentos no domínio da percepção. Se forem estas noções fracas e pouco claras, procura ela reforçá-las e completá-las, dando-lhes uma imagem clara e uma semelhança na imaginação. Para compreender o sentido destas imagens, é preciso recorrer à interpretação. Às vezes, estas noções são tão vivas que a alma não necessitava de figurá-las na imaginação. Neste caso, o recurso de uma interpretação torna-se supérfluo, por não terem as percepções sido afetadas pela imaginação, nem alternadas por uma reprodução figurada. A alma desfruta deste poder de percepção instantânea e passageira por ser uma essência espiritual em ato, porém apta a se aperfeiçoar pela influência e pelas percepções do corpo. Continua este aperfeiçoamento até que sua essência se torne intelecto puro e sua existência adquira a perfeição em ato. Atingido este grau de perfeição e tendo então ficado uma essência espiritual, consegue ter percepções sem o instrumento do corpo. Mas a posição que ela vem a ocupar entre os seres espirituais é inferior à dos anjos, habitantes da Esfera Sublime, que não devem a perfeição de sua essência nem à percepções corporais, nem a outra coisa. A disposição que se acaba de descrever acha-se na alma enquanto estiver contida no corpo, sendo ela de duas espécies: uma particular aos favoritos de Deus; a outra, mais comum, pertence à generalidade dos homens. A visão espiritual [ou os sonhos] faz parte da segunda espécie.
Passamos agora ao gênero de sonhos próprios dos profetas. Estes personagens possuem uma disposição que lhes permite despirem-se da natureza humana para alcançar a natureza angélica, a mais alta das naturezas espirituais. Manifesta-se muitas vezes neles esta disposição, quando ainda no estado de êxtase proveniente da revelação e ao entrarem no domínio das sensações corporais. As percepções recolhidas neste estado pelo profeta se parecem com as que se percebem no estado de sono. Mas o estado de sono é inferior ao de que estamos tratando.
Foi devido a esta semelhança que o legislador [Muhammad] disse: O sonho é uma das quarenta e seis partes do profetismo, ou, como diz uma outra versão, das quarenta e três; e, segundo outra, das setenta. Nenhum destes números significa uma quantidade determinada, mas apenas que os graus do profetismo são numerosos. Em apoio a esta afirmação, basta lembrar que, para os Árabes do deserto, o número setenta equivale a muito. Alguns dos que adotam o número quarenta e seis interpretam-no dizendo: Durante os seis primeiros meses da missão de Muhammad, quer dizer, durante meio ano, a revelação vinha-lhe somente por meio de sonho; e, a duração total de” sua missão, tanto em Meca como em Medina, foi vinte e três anos. Ora, dizem, a metade de um ano forma a quadragésima sexta parte de vinte e seis anos. — Esta explicação é tirada de muito longe para merecer um exame; e, ainda que verdadeira em relação ao nosso Profeta, como poderá sê-lo para os outros profetas, cuja missão se ignora quanto tempo durou? Além disso: é verdade que se indica qual a relação entre os dois períodos, o da visão espiritual e o de seu profetismo; mas nada se diz sobre o valor da visão por sonhos e do profetismo real.
Se o leitor compreendeu bem o alcance de nossas observações ficará convencido de que esta fração numérica quer significar simplesmente que existe uma relação entre a disposição primitiva e comum a todos os homens e a disposição menos frequente e especial da classe dos profetas que a devem à sua natureza. A disposição mais fraca, dizíamos, é comum a todos os homens; mas ela encontra grande número de obstáculos que a impedem de agir. São os sentidos exteriores. Por isso, o Criador deu ao homem uma faculdade natural, qual é o sono, por cujo intermédio ele afasta o véu dos sentidos. A alma, então, afastados estes, pode alcançar os conhecimentos que deseja colher no mundo da verdade; podendo, de vez em quando, lançar nele um olhar e achar o que está procurando. Eis a razão por que o legislador colocou os sonhos entre os prognósticos. “Em matéria de profetismo, diz ele, nada restou fora dos prognósticos”. Quando se lhe perguntou o que entendia por este termo, respondeu: “É a visão santa, que o homem santo vê ou ela se mostra a ele”.
Resta agora explicar como o véu dos sentidos pode ser afastado por meio do sono. A alma racional não pode compreender nem agir senão mediante o espírito vital do corpo, vapor leve que reside no ventrículo esquerdo do coração. É o que lemos nos tratados sobre anatomia de Galeno e de outros médicos. Este vapor, mandado junto com o sangue às veias e às artérias, produz a sensação, os movimentos e as outras funções do corpo. A sua parte mais sutil eleva-se até ao cérebro, temperando-lhe a natureza fria e animando-lhe as faculdades interiores, de modo que possam exercer plenamente sua ação. A alma racional não pode perceber nem agir sem o auxílio deste espírito *vital, ao qual, aliás, ela se acha intimamente ligada. Esta ligação íntima é resultante do princípio que rege a formação dos seres, a saber: “O sutil não faz impressão sobre o espesso”. Ora, sendo este espírito vital a mais ténue e sutil das matérias que compõem o corpo, está sujeito, como matéria que é, às impressões da essência que dela difere pela ausência de corporeidade, isto é, a alma racional, que passa a operar sobre o corpo através de sua atuação sobre o espírito vital. Já fizemos observar que, na alma, a percepção se faz de duas maneiras: pelos meios externos, que são os cinco sentidos, e pelos meios internos, que são as faculdades do cérebro. Estes dois gêneros de percepção causam perturbações na alma e impedem-na de perceber as essências espirituais situadas na Esfera superior, não obstante ter recebido da natureza a disposição necessária para alcançá-la Os sentidos externos, por serem corporais por natureza, são suscetíveis de fraqueza e de frouxidão causadas pelo cansaço e pela lassidão, e, quando mantidos em atividade durante muito tempo, acabam perturbando o espírito. Deus, pois, criou, nos sentidos, a necessidade de repousar, para que sua operação perceptiva possa recomeçar com toda a vitalidade. Isto se opera por um movimento do espírito vital que, afastando-se dos sentidos exteriores, se volta para o sentido interno. O esfriamento do corpo durante a noite contribui para esta mudança; o calor natural deixa então o exterior do corpo para se transportar às profundezas do interior, e aquilo a que ele serve de veículo, que é o espírito vital, se transporta ali com ele. Eis porque o sonho, entre os homens, ocorre sempre durante o sono. O espírito, livrando-se dos sentidos externos, se recolhe junto às faculdades internas; a alma, desembaraçada das preocupações e dos obstáculos que lhe opõem os sentidos, volta-se para as imagens conservadas na memória, combina-as, descombina-as e dá-lhes outras formas que lhe oferece a imaginação. Estas são quase sempre formas habituais e costumeiras, visto a alma não se ter libertado de suas percepções costumadas senão há pouco tempo. Ela leva estas formas [ou ideias] até ao sentido interno, faculdade esta que ajunta as percepções colhidas pelos cinco sentidos, e que recebe este novo depósito como se lhe viesse por via dos sentidos.
Às vezes, a alma se volta, durante um só instante, para sua essência espiritual, volta rápida que não se opera sem encontrar resistência por parte das faculdades internas. Consegue, então, em virtude de sua organização natural, captar as percepções por meio de sua espiritualidade. Depois de recolher algumas das formas [ideias] que tinham aderido à sua essência, transmite-as à imaginação, a qual as reproduz tais como são, ou as imita, por meio de emblemas, feitos nos moldes que costuma usar. As formas produzidas por imitação não serão compreendidas sem o auxílio da interpretação. Consistindo o ato da alma em compor e decompor as formas conservadas na memória, antes de ter colhido percepções [mais nítidas] pelo golpe de vista rápido que lançou [sobre sua própria essência], este ato produz o que se costuma chamar “sonhos confusos” “adgath ahlam”. Lê-se no Sahih que o Profeta disse: “Existem três espécies de visões: uma delas vem de Deus, a outra, do anjo, e a terceira, de Satanás”. Esta classificação está de acordo com as explicações que acabamos de dar. A visão clara é de Deus; a visão, cuja forma a imaginação imita e que necessita de interpretação, vem do anjo; os sonhos confusos, são obras de Satã, sendo completamente falsos, por terem por autor o pai de toda a falsidade. As observações que expusemos são suficientes para fazer conhecer qual a verdadeira natureza da Ru’ia ou Visão espiritual.
A faculdade que produz e provoca as visões durante o sono, sendo uma das que são peculiares à alma, existe em todos os homens sem exceção. Não se encontra um só homem que não tenha sonhado com alguma coisa cuja veracidade reconheceu ao acordar, adquirindo a certeza de que a alma pode alcançar o mundo invisível durante o sono. Ora, se isto se dá no estado de sono, nada impede que a mesma coisa aconteça em outros estados que não o sono, porque, se é verdade que a faculdade perceptiva é uma só, não o é menos que suas qualidades podem aplicar-se a todos os estados da alma.
É raro entrarem os homens neste estado por movimento próprio e pela potência inata com que a natureza os dotou. São levados para este estado, quando, impulsionados eles pelo desejo de certa coisa, a alma consegue, durante o sono, ver essa coisa rapidamente, sem intenção premeditada de vê-la. No livro intitulado Al-Gayat, como em outros tratados compostos por pessoas que praticam um certo gênero de exercícios espirituais[[“Gayat al Hakim” ou Mira do Filósofo é um dos compêndios mais completos em língua árabe sobre a magia, os sortilégios, a pedra filosofal, etc. Seu autor é Maslama al Majariti [Abu’l Cacim] natural de Madrid. Era astrônomo, matemático, astrólogo, adivinho e escritor enciclopédico. Na opinião de Leclere, “foi o maior homem da Espanha sábia”. Hist, Med. Ar. Ti, p. 423. Muitas das suas obras foram traduzidas para o latim. Em 1252, Afonso, o Sábio, mandou traduzir Al Gayat dando lhe o título de Picatrix. É autor também de uma outra obra, Rutbat ul Hakim, título que Casiri traduz por Graduz Sapientis, MS conservado na Bib. do Escurial, e um outra na Bib. Nat. de Paris, [ancien fonds árabe, N.° 973]. Pelas referências de Ibn Khaldun ao gênero de obras a que se dedicou Maslama, este espírito de escol que demonstrou grande dedicação às ciências positivas, não desdenhou, nas horas vagas, ocupar-se de “fazer baixar as forças superiores” para aproveitá-las em práticas vulgares de bruxaria. Não se sabe exatamente quando morreu. Casiri e Leclere apontam o ano 1007, Sarton afirma que foi antes desta data; Sanchez Perez y Millás, dão 1004, como mais provável. [Nota dos Trad.].]], acham-se alguns nomes, pronunciados por um homem no momento de dormir, que produzem no sono uma visão que lhe anuncia o que desejava saber. Os que professam esta doutrina chamam a este sortilégio “halumia”. Maslama se refere a um destes encantos no Kitab al Gayat e o chama: halumia da natureza perfeita. Consiste no seguinte: Quando uma pessoa que está no ponto de adormecer, depois de terminar suas reflexões secretas e ter dado ao pensamento uma direção conveniente, deve pronunciar estas palavras bárbaras: maghi, badan, iassuad, uagdas, hisufna, gades; em seguida, formula mentalmente o que deseja saber. Chegado o sono, o véu desaparece e deixa ver o segredo. Conta-se que um homem empregou este meio, depois de ter mortificado o corpo durante alguns dias, e que uma pessoa lhe apareceu e disse: Eu sou tua natureza perfeita. Então, interrogando o fantasma, obteve dele as informações que procurava. Eu mesmo empreguei também estas palavras e, pouco depois, um espetáculo maravilhoso ME revelou certas coisas que desejava saber e que ME interessavam pessoalmente. Mas, tudo isso não prova que se possa ter uma visão quando se quer; estes encantos se limitam apenas a dispor a alma para a visão espiritual. Se a disposição for bem acentuada e profunda, torna mais provável o conhecimento desejado. Mas, por mais que se trabalhe no aperfeiçoamento desta disposição[[Falando de “Riadat” e de “Ahl a Ridat” o autor se refere ao treino, à disciplina do exercício corporal, moral e mental para domar as paixões. No livra de Jurjani “A Tarifat “Riadat” é assim definida: A disciplina que se impõe às faculdades da alma para afastá-las das fraquezas da natureza e das paixões. No livro Kholaçat a Suluk encontramos mais ampla explicação: “Ela consiste na assiduidade às orações e aos jejuns, na resguarda durante todas as horas do dia e da noite contra o que leva ao pecado e merece censura, e na privação do sono e das frequentações mundanas. [Nota dos Tradutores].]], jamais se poderá estar seguro de provocar, de fato, o resultado. O poder que se tem de se pôr em condição de receber uma coisa é muito diferente do poder de obtê-la de fato. Ciente disto, saberá o leitor compreender não somente este como outros princípios semelhantes que encontrará. Allah é o ser sapiente e que de tudo tem experiência.
[Ibn Khaldun: Prolegômenos. Sexto discurso preliminar. Tratando dos homens que, seja por disposição inata, seja por treino ou disciplina, chegam a perceber o mundo invisível; com observações preliminares sobre a natureza da revelação. III – Da visão espiritual ou al-ruia. [Tr. José Khoury e Angelina Bierrenbach Khoury, IBF, 1958]]