Excertos da tradução em português de Dimas David Santos Silva, do livro de Steven Wasserstrom, Religion after Religion
Tal ‘realidade religiosa’ caracterizou-se pela transcendência do tempo. Eliade, assim, incluiu um capítulo em sua coleção Mito e Realidade, cujo título é ‘O Tempo Pode Ser Transposto’. Por trás de tal noção havia a inspiração de René Guénon, cujas asserções neste campo eram tipicamente inegáveis. “Quem não conseguir escapar do ponto de vista da sucessão temporal de forma a poder ver todas as coisas em sua simultaneidade é incapaz de conceber a ordem metafísica”. Quem na verdade fez menção essa escapada do ‘ponto de vista da sucessão temporal’ foi o co-editor da obra de Eliade, Antaios, Ernst Jünger. Logo depois de iniciar o projeto de Antaios, Junger publicou um livro chamado Contra o Muro do Tempo (An die Zeitmauer). A posição de Eliade foi uma combinação das ideias de Jung e Guénon, entre outras. Tal postura foi definida no profético verão de 1968, quando ainda fazia a co-edição de Antaios com Junger: “A estrutura do sagrado na consciência humana é construída a partir da estrutura da sincronicidade, em oposição à estrutura diacrônica do historicismo radical.”
Por toda a sua vasta obra, Eliade retornou sempre ao conceito da anulação do tempo como chave para o acesso ao sagrado. Sua argumentação mais explícita talvez seja a encontrada em sua palestra de 1952 em Eranos “O Simbolismo Indiano do Tempo e da Eternidade”. Aqui ele propõe sua posição da maneira mais clara e contundente:
O presente total, o eterno presente dos místicos, é a estase ou não-duração… Aquele cujo pensamento é estável ou para quem o tempo não mais flui, vive em um presente eterno… O momento favorável de iluminação pode se comparar à fagulha que acompanha uma revelação, ou a um êxtase místico que se prolonga paradoxalmente além do tempo… Tudo isso prova, creio eu, que não há quebra de continuidade entre o homem das sociedades arcaicas e o misticismo atrelado às grandes religiões históricas: ambos tentam com a mesma intensidade, ainda que por meios diferentes, ir contra a memória e o Tempo.
Esta teoria é elaborada em Yoga que, em seu parágrafo final, conclui que o ideal da ioga é “viver no ‘presente eterno’, fora do tempo”.