Yates: Confessio Fraternitatis

Frances Yates — Manifestos Rosa-Cruzes

Confessio Fraternitatis. Consideratio Brevis.

A intensa emoção provocada pela Fama com sua narrativa da Ordem Rosa-cruciana aumentou ainda mais no ano seguinte com a publicação do segundo manifesto rosa-cruz, a Confessio, que continuou a falar dos Irmãos R. C., de sua filosofia e sua missão, e parecia ser uma continuação da Fama, à qual se referia constantemente. Foi publicada no mesmo lugar da Fama e editada pelo mesmo editor. Ao contrário da Fama, escrita em alemão, bem como todos os outros conteúdos do volume no qual é publicada, a primeira edição de Confessio está em latim, conforme está também a outra dissertação publicada com ela. Portanto, poderia parecer que o volume de Confessio era uma continuação do de Fama, porém dedicado em latim a uma classe mais culta, e com a intenção de oferecer alguma interpretação das alegorias românticas do primeiro manifesto.

A epígrafe latina da publicação, que contém a primeira edição de Confessio, pode ser traduzida em inglês como segue:

Uma Breve Consideração da mais Secreta Filosofia escrita por Philip à Gabella, um estudante de filosofia, agora publicada pela primeira vez junto com a Confissão da Irmandade R. C. Editada em Cassei por Wilhelm Wessel, editor do Mais Ilustre Príncipe, 1615.

(no verso da página da epígrafe)

Deus te dê do orvalho do céu, e da exuberância da terra.” Gênesis, 27.

Evidentemente, os leitores pretendiam estudar a Consideratio brevis, antes de chegar à Confessio, e — conforme já mencionei — a Consideratio brevis está baseada na Monas hieroglyphica de John Dee. Nada se sabe acerca da identidade de “Philip à Gabella” (poderia ser este um pseudônimo relativo à Cabala?), mas é certo ter sido ele um estudante íntimo de Dee.

A solução para essa origem é dada na citação, no verso da página da epígrafe, que transcrevi acima em linguagem bíblica, a qual evidentemente ele dá em latim: De rore caeli et pinguedine terrae det tibi Deus. Este texto está inscrito na página da epígrafe da Monas hieroglyphica de Dee, na qual o tema do orvalho que desce (ros) unindo o céu e a terra, é ilustrado visualmente.

A Consideratio brevis não é uma reprodução integral da Monas de Dee, porém a cita literalmente a partir dos primeiros treze teoremas do trabalho, entremeados com outros assuntos. São esses os teoremas nos quais Dee expõe a composição de seu emblema “monas”, de que modo ele contém os símbolos de todos os planetas, como absorve em si mesmo o signo do zodíaco, Áries, representando o fogo, e portanto, processos alquímicos; como a cruz, debaixo dos símbolos do sol e da lua, representa os elementos, e como as diferentes disposições das quatro linhas dessa cruz podem mudá-la num signo para três e quatro, para o triângulo e o quadrado, solucionando assim um grande mistério1. Os diagramas oferecidos por ‘Philip à Gabella’, alguns dos quais não constam da Monas de Dee, podem realmente auxiliar na explicação de seu hieróglifo. Evidentemente, era a própria “monas” que mais interessava a ‘Philip à Gabella’, o signo misterioso e suas partes, que poderia conter todos os céus e os elementos, as sagradas figuras do triângulo, o círculo, o quadrado, e a cruz. Por estranho que pareça, ele jamais emprega a palavra “monas”, e nas passagens em que faz diretamente citações das “monas hieroglyphicas” de Dee, substitui “stella” por “monas”. Para ‘Philip à Gabella’ a monas transforma-se numa estrela, e a “monas hieroglyphica” uma ‘stela hieroglyphica”. Entretanto, esta interpretação poderia ter uma confirmação no trabalho de Dee, no qual em sua última página uma mulher está segurando uma estrela, parecendo ter sido projetada como uma figura sintetizando todo o trabalho.

A Consideratio brevis termina com uma oração em latim, num estilo de intensa piedade e inspiração, dirigida a Deus eterno e infinito, a Única força, a Única perfeição, no qual todas as coisas são Unas, e que com seu Filho e o Espírito Santo é Três em Um. A oração é uma reminiscência das orações de Dee, e sua presença no fim de uma versão da Monas, aproxima muito a Consideratio brevis da atmosfera de Dee, de uma ardente piedade combinada com o esforço mago-científico complexo.

A oração está assinada ‘Philemon R. C.’, isto é “Philemon Rosa-Cruz”, e no outro lado da página segue-se o prefácio para o leitor, assinado “Frater R. C.” do segundo manifesto rosa-cruz, a Confessio, que vem logo depois.

Isso quer dizer que a Consideratio brevis, inspiração de Dee, com sua oração, parece absolutamente semelhante ao manifesto rosa-cruz, como uma parte integral do mesmo, revelando que a “mais secreta filosofia” — base do movimento rosa-cruz — era a filosofia de John Dee, conforme explanada em sua Monas hieroglyphica.

Isso pode levar-nos a pensar novamente que a antiga teoria — agora geralmente rejeitada — que atestava que o nome “rosa-cruz” não derivava de “Rosa” e “Cruz”, mas de Ros (orvalho) e Crux, tendo um significado alquímico associado ao orvalho como sendo um (suposto) solvente do ouro, e com a cruz como equivalente da luz2. Sem tentar penetrar nesses mistérios alquímicos, pode-se dizer que a descoberta da íntima associação da Monas de Dee e a sua epígrafe sobre o “orvalho do céu”, com o manifesto rosa-cruz, não pode dar algum apoio à teoria da Ros-Crux.

Passemos agora — conforme os pesquisadores originais pretendiam fazê-lo — do exame da Consideratio brevis, observando sua íntima dependência com a Monas hieroglyphica de Dee, ao estudo do manifesto rosa-cruz — a Confessio.


  1. Consultar C. H. Josten, “Uma Tradução da ‘Monas Hieroglyphica’ “, de John Dee, Ambix, XII (1964), pp. 155-65. 

  2. Para uma exposição da teoria de que “Rosa-cruz” deriva de Ros (orvalho) e Crux, consultar a anotação de James Crossley em Diary and Correspondence of Dr. John Worthington, Chetham Society, 1847, I, pp. 239-40 n. A teoria não é aceita por R. F. Gould, History of Freemasonry, ed. H. Poole, 1951, II, p. 67. 

Frances Yates