René Guénon — O ERRO ESPÍRITA
CAPÍTULO VI — A REENCARNAÇÃO
Excertos de tradução encontrada na Internet sem referência ao tradutor e de que versão foi traduzido.
Não podemos pensar em empreender aqui um estudo absolutamente completo da questão da reencarnação, já que seria necessário um volume inteiro para examiná-la sob todos seus aspectos; possivelmente voltaremos sobre ela algum dia; a coisa vale a pena, não em si mesmo, já que não é mais que um absurdo puro e simples, a não ser em razão da estranha difusão desta ideia de reencarnação, que, em nossa época, é uma das que mais contribuem ao transtorno mental de um grande número de pessoas. Posto que, não obstante, não podemos nos dispensar no momento de tratar este tema, diremos ao menos tudo o que terá que se dizer de mais essencial a seu respeito; e nossa argumentação não só valerá contra o espiritismo kardecista, mas também contra todas as demais escolas «neo-espiritualistas» que, em sua continuação, adotaram esta ideia, salvo nos detalhes mais ou menos importantes em que a modificaram. Pelo contrário, esta refutação não se dirige, como a precedente, ao espiritismo considerado em toda sua generalidade, já que a reencarnação não é um elemento absolutamente essencial, e se pode ser espírita sem admiti-la, enquanto que a pessoa não pode sê-lo sem admitir a manifestação dos mortos por fenômenos sensíveis. De fato, sabe-se que os espíritas americanos e ingleses, quer dizer, os representantes da forma mais antiga do espiritismo, foram unânimes no começo em opor-se à teoria reencarnacionista, que Dunglas Home, em particular, criticou violentamente; para que alguns dentre eles se decidissem mais tarde a aceitá-la, foi necessário que, no intervalo, esta teoria tenha penetrado nos meios anglo-saxões por vias estranhas ao espiritismo. Na França mesmo, alguns dos primeiros espíritas, como Piérart e Anatole Barthe, separaram-se de Allan Kardec sobre este ponto; mas, hoje em dia, pode-se dizer que o espiritismo francês todo inteiro tem feito da reencarnação um verdadeiro «dogma»; Allan Kardec mesmo, aliás, não tinha vacilado em chamá-la com este nome. É ao espiritismo francês, recordamo-lo ainda, ao que a teoria em questão foi tomada pelo Teosofismo em primeiro lugar, depois pelo ocultismo papusiano e diversas outras escolas, que têm feito dela igualmente um de seus artigos de fé; por muito que estas escolas reprovem aos espíritas conceber a reencarnação de uma maneira pouco «filosófica», as modificações e as complicações diversas que elas lhe contribuíram não poderiam mascarar esta apropriação inicial.
Já notamos algumas das divergências que existem, a propósito da reencarnação, seja entre os espíritas, seja entre eles e as demais escolas; sobre isto como sobre todo o resto, os ensinos dos «espíritos» são bastante flutuantes e contraditórias, e as pretensas constatações dos «clarividentes» não o são menos. Assim, já o vimos, para uns, um ser humano se reencarna constantemente no mesmo sexo; para outros, reencarna-se indiferentemente em um sexo ou no outro, sem que se possa fixar nenhuma lei a este respeito; para outros ainda, há uma alternância mais ou menos regular entre as encarnações masculinas e femininas. De igual modo, uns dizem que o homem se reencarna sempre sobre a terra; outros pretendem que pode reencarnar-se também, seja em outro planeta do sistema solar, seja inclusive sobre um astro qualquer; alguns admitem que há geralmente várias encarnações terrestres consecutivas antes de passar a outra morada, e esta é a opinião do Allan Kardec mesmo; para os teosofistas, não há mais que encarnações terrestres durante toda a duração de um ciclo extremamente largo, depois do qual uma raça humana toda inteira começa uma nova série de encarnações em outra esfera, e assim sucessivamente. Outro ponto que não é menos discutido, é a duração do intervalo que deve transcorrer entre duas encarnações consecutivas: uns pensam que alguém se pode reencarnar imediatamente, ou ao menos ao cabo de um tempo muito curto, enquanto que para outros, as vidas terrestres devem estar separadas por longos intervalos; vimos em outra parte que os teosofistas, depois de ter suposto primeiro que estes intervalos eram de mil e duzentos ou de mil e quinhentos anos como mínimo, chegaram a reduzi-los grandemente, e a fazer a este respeito distinções segundo os «graus de evolução» dos indivíduos1. Nos ocultistas franceses, produziu-se igualmente uma variação que é bastante curiosa de assinalar: em suas primeiras obras Papus, embora atacasse aos teosofistas com os quais acabava de romper, repete segundo eles que, «segundo a ciência esotérica, uma alma não pode reencarnar-se mais que ao cabo de mil e quinhentos anos ou mais, salvo em algumas exceções muito claras (morte na infância, morte violenta, na passagem a adepto)», e afirma inclusive, a fé de Mme Blavatsky e de Sinnet, que «estas cifras estão tiradas de cálculos astronômicos pelo esoterismo hindu», enquanto que nenhuma doutrina tradicional autêntica falou nunca da reencarnação, e enquanto esta não é mais que uma invenção moderna inteiramente ocidental. Mais tarde, Papus rechaça inteiramente a pretendida lei estabelecida pelos teosofistas e declara que não se pode dar nenhuma lei, dizendo (e respeitamos escrupulosamente seu estilo) que «seria tão absurdo fixar um termo de mil e duzentos anos como de dez no tempo que separa uma encarnação de um retorno sobre a terra, como fixar para a vida humana sobre a terra um período igualmente fixo». Tudo isto apenas sim dá para inspirar confiança aos que examinam as coisas com imparcialidade, e, se a reencarnação não foi «revelada» pelos «espíritos» pela boa razão de que estes jamais falaram realmente por intermédio das mesas ou dos médiuns, as poucas precisões que acabamos de fazer bastam já para mostrar que ela não pode ser tampouco um verdadeiro conhecimento esotérico, ensinado por iniciados que, por definição, saberiam a que ater-se a respeito. Assim, não há necessidade sequer de ir ao fundo da questão para descartar as pretensões dos ocultistas e dos teosofistas; resta que a reencarnação seja o equivalente de uma simples concepção filosófica; efetivamente, ela não é mais que isso, e está inclusive ao nível das piores concepções filosóficas, posto que é absurda no sentido próprio desta palavra. Há muitos absurdos também entre os filósofos, mas ao menos, geralmente, não as apresentam mais que como hipótese; os «neo-espiritualistas» se iludem mais completamente (e admitimos aqui sua boa fé, que é incontestável para a massa, mas que não o é sempre para os dirigentes), e a segurança mesma com a que formulam suas afirmações é uma das razões que as fazem mais perigosas que as dos filósofos.
EL TEOSOFISMO, pp. 88-90, ed. francesa. ↩