Conto da Serpente Verde Resumo

Goethe — CONTO DA SERPENTE VERDE
Excertos de Yvette Centeno, “A SIMBOLOGIA ALQUÍMICA NO CONTO DA SERPENTE VERDE DE GOETHE”
Resumo
Junto ao grande rio que chuvas torrenciais tinham feito transbordar, o velho barqueiro dormia, cansado dos trabalhos do dia, na sua pequena cabana. A meio da noite é acordado por viajantes que desejam passar para o lado de lá. São dois fogos-fátuos que lhe dizem ter muita pressa. O velho não perde tempo, e no fim da travessia os fogos-fátuos querem remunerá-lo com peças de ouro que deixam cair no barco. O velho não pode aceitar esse dinheiro, e exige que lhe paguem em frutos da terra, única paga que pode receber. Os fogos-fátuos prometem fazê-lo e vão-se embora, e o barqueiro segue à procura de um lugar para esconder sem perigo o ouro que lhe tinham deixado: lança-o para dentro de uma caverna e regressa à sua cabana. Nessa caverna encontrava-se a serpente verde, que saiu do seu letargo com o barulho do ouro a cair. Mal viu as moedas comeu-as, sentindo logo no seu organismo operar-se uma modificação. E não apenas em si, mas também na natureza, pois tudo à sua roda agora brilha com um maravilhoso brilho de esmeralda. Parte à procura de quem lhe proporcionara tamanho bem, encontra os fogos-fátuos, e estes presenteiam-na alegremente com mais ouro, que ela devora logo. Depois perguntam-lhe onde mora a bela princesa Flor-de-Lis, pois morrem de impaciência por lançar-se aos seus pés. A princesa infelizmente morava na outra margem, e não era possível chamar o velho barqueiro pois ele só podia atravessar gente para o lado de cá e nunca para o lado de lá. A serpente só ao meio-dia os poderia fazer atravessar. Ou então poderiam ir na sombra do gigante, ao fim da tarde. Os fogos-fátuos seguem o seu caminho e a serpente, de novo sozinha, volta aos rochedos por onde costumava rastejar. Tinha em tempos descoberto uma caverna subterrânea e lá dentro um santuário com colunas, e figuras humanas de bronze ou de mármore polido, e agora que o seu corpo resplandecia com a luz do ouro ingerido sentia-se apta a desvendar melhor esse mistério. Descobre as estátuas veneráveis de quatro reis, uma de ouro, uma de prata, uma de bronze, e outra feita desses três metais imperfeitamente misturados. Surge entretanto um homem, com uma lanterna na mão, que ilumina toda a catedral sem projectar a menor sombra. O homem conversa com os reis sobre o que lhe irá em breve acontecer. E depois parte cada um para seu lado. Quando o velho da lanterna regressa a casa, a sua mulher está chorando na maior aflição porque o cão Mops comeu do ouro que uns viajantes tinham deixado cair, e morrera. Além disso a mulher comprometera-se a pagar a dívida ao barqueiro na vez deles, e daí lhe iriam advir muitos aborrecimentos. O velho transforma o cão numa bela pedra preciosa, e diz à mulher que pegue no cesto, ponha lá dentro três repolhos, três alcachofras e três cebolas, à roda do cão, e os leve ao rio. Por volta do meio-dia deverá pedir à serpente que a transporte para a outra margem, e ir visitar a bela Flor-de-Lis levando-lhe a pedra preciosa que é o cão. Ela saberá restitui-lo à vida, tocando-o (tal como logo mata algum ser vivo se este inadvertido a tocar a ela). E diz ainda: ‘a princesa que não se aflija, a sua libertação está próxima’. A velha põe-se a caminho mas tem um inesperado encontro com o gigante, cujas mãos de sombra se lhe metem no cesto e lhe roubam um repolho, uma alcachofra e uma cebola. A velha chega ao pé do barqueiro e vê sair do barco um belo jovem. O barqueiro não a quer levar antes de ela ter pago a dívida, a não ser que ela se responsabilize pela parte que se deve ao rio (e que o gigante lhe tirou). A velha compromete-se a pagar directamente ao rio, e para o efeito mete a mão dentro de água, e com grande espanto verifica, ao retirá-la, que ficou negra como carvão. Fica muito zangada, mas o barqueiro assegura-a de que isso passará mal a dívida seja paga. A velha põe-se de novo a caminho, atrás do belo Jovem que segue absorto nos seus pensamentos. Também ele quer ir ter com a princesa. Sente-se infeliz, conta alguma coisa da sua vida à velha — os olhos de Flor-de-Lis têm uma tão nefasta influência que tiram a força a todo o ser vivo, e quando não se morre ao contacto da sua mão, fica-se reduzido, como ele, ao estado de sombra errante, com aparência de vida. Assim falando chegam ao arco majestoso da ponte, que parece ser feita de esmeraldas e outras pedras preciosas. Era a serpente que sempre ao meio-dia se lançava por cima do rio, erguendo-se na forma de uma ponte. Os viajantes podiam assim passar de uma margem para a outra. Também os fogos-fátuos tinham feito esta travessia, na intenção de se apresentarem à princesa ao cair da noite. A mulher com o seu cesto foi a primeira a procurar a sua protectora. Esta cantava, acompanhando-se à harpa, e estava particularmente entristecida com a morte do seu canário, causada por um açor. A mulher incita-a a ter coragem, e transmite-lhe a mensagem do velho: ‘deve tomar a maior desgraça como prenúncio da maior felicidade, porque chegou o momento’. Enquanto trocam impressões sobre a profecia que deverá cumprir-se, a serpente interrompe-as e fala do progresso da ponte, agora muito mais bela e perfeita do que antes. A bela princesa dá à mulher o canário, para que ela o leve ao marido e este o transforme em pedra preciosa, e depois pega em Mops para o reanimar. Ao seu contacto logo o cão salta, alegre, e corre de um lado para o outro. O Jovem aproxima-se e vê amargurado como o cão goza de maior felicidade do que a sua, pois recebe da princesa os beijos e abraços que a ele não podem ser dados. Desesperado, precipita-se sobre Flor-de-Lis e ao tocá-la cai logo sem sentidos. A princesa não sabe o que fazer, e é a serpente que procura um rápido meio de o salvar, ou pelo menos de o proteger de uma imediata decomposição. Forma um círculo à roda do corpo do jovem, segurando a extremidade da cauda com os dentes, e permanece imóvel, à espera que chegue o homem da lanterna. Entretanto as damas que acompanhavam a princesa trazem-lhe um véu vermelho de fogo, com o qual a ornamentam, uma cadeira para ela se sentar, e uma harpa para tocar. Trazem-lhe também um espelho em que ela se mira. A mulher do velho da lanterna entretanto reaparece, pois não conseguiu ir ter com o marido, do outro lado do rio, e ninguém a ajuda enquanto ela não pagar a sua dívida. A serpente diz-lhe que esqueça a sua aflição e vá procurar os fogos-fátuos, pois eles se encarregarão de levar o recado ao seu homem, o que ela faz de seguida. Mas eis que o velho da lanterna de repente chega, e Flor-de-Lis levanta-se da cadeira onde estava sentada, regozijando-se com a sua presença no momento em que tanta falta fazia. O velho responde que veio impelido pelo génio da sua lanterna, e guiado pelo Açor. Diz também que nesta ocasião tão grave um só não pode nada, e é preciso que se una com muitos no momento propício. A velha reaparece em seguida com os fogos-fátuos, e em breve se chega à meia-noite, quase sem saber como. Então o velho da lanterna volta a falar: ‘estão reunidos na hora propícia, cada um deverá cumprir o seu dever, e uma felicidade geral dissolverá as dores de cada um, do mesmo modo que uma desgraça geral destrói as alegrias individuais’. A serpente desfaz o círculo, e começa a rastejar em direcção ao rio. Seguem-se os fogos-fátuos, a velha com o cesto, tendo dentro o cadáver do Jovem e o canário, a princesa Flor-de-Lis, com Mops ao colo, e por fim o velho da lanterna a fechar o cortejo. Quando chegam à beira do rio já uma ponte de um magnífico arco lhes oferece passagem: é a serpente, cada vez mais bela e luminosa. No final da travessia a serpente benfazeja resolve sacrificar-se, e pede ao velho da lanterna que não deixe nenhuma pedra em terra, o que ele promete. Seguindo as instruções deste, a princesa toca então a serpente com a mão esquerda e o seu amado com a mão direita, e no mesmo instante o Jovem parece recuperar a vida. O mesmo se passa com o canário, que desata a esvoaçar à sua volta. A princesa não cabe em ái de feliz. Só passado um momento reparam que entretanto a serpente se metamorfoseara: o seu corpo jazia desfeito em milhares de pedras brilhantes. As pedras são recolhidas para o cesto, que o homem da lanterna e a mulher levam para a beira do rio, lançando nele a preciosa carga. Segue-se a última fase destes maravilhosos acontecimentos: guiados mais uma vez pelo homem da lanterna dirigem-se todos para o santuário, cuja porta agora serão os fogos-fátuos a abrir com as aguçadas línguas. Assim cada um vai, na história, desempenhando o seu papel. Quando a porta ressoa e se abre com estrondo aparecem as imagens dos reis, diante dos quais todos se inclinam. Os fogos-fátuos atiram-se ao rei de liga e devoram-lhe o ouro, fazendo com que depois ele venha a cair, perdendo o equilíbrio, no exacto momento em que seria necessário erguer-se e permanecer de pé. O velho da lanterna proclama que ‘chegou o momento’, frase que deste modo é repetida no conto pela terceira vez, e com estas palavras eis que o templo se põe em movimento. As profundezas da terra abrem-se diante dele, à medida que, sob as águas do rio, vai avançando em direcção à superfície. Caminha-se para o final glorioso de uma revelação. À mulher, cuja mão enegrecera e diminuirá de tamanho ainda mais, o velho da lanterna diz: ‘vai banhar-te no rio, todas as dívidas estão perdoadas’. Avançando entre o Jovem e a bela Flor-de-Lis, ele afirma em seguida que são três os princípios que regem a terra: ‘a Sabedoria, a Aparência e o Poder’. E com estas palavras erguem-se os reis, e o rei de liga cai sentado desastradamente, vítima do ataque ao ouro que os fogos-fátuos lhe tjnham feito. O homem da lanterna faz descer do altar o Jovem, ainda como que ausente e hirto na sua meia-vida, e leva-o até ao rei de bronze. O Jovem põe à cinta a espada de bronze que o rei tinha aos seus pés. Depois o rei de prata oferece-lhe o seu ceptro, e o rei de ouro cinge-lhe a fronte com a sua coroa de folhas de carvalho. O Jovem recupera as energias, a vitalidade e o espírito, retorna por completo à vida, e logo chama pela princesa Flor-de-Lis, declarando ao velho da lanterna que o quarto poder, de que ele se esquecera de falar, era o poder do amor, cujo império sobre o mundo era mais antigo ainda, mais geral e mais certo do que os outros. Enquanto esta cena se desenrolava o dia amanhecera, e pela porta do templo novas transformações se percebem lá fora: uma grande praça cercada de colunas antecede a entrada da ponte, cujos arcos numerosos cobrem o rio de um lado ao outro. Havia já milhares de pessoas atravessando-a, junto com mulas, rebanhos, cavaleiros, carruagens, etc. Todos pareciam maravilhados com uma obra tão útil e tão bela.

Presta-se no fim homenagem à serpente, com as palavras do velho da lanterna: ‘o Jovem deve-lhe a vida, os povos devem-lhe a ponte’.

E para terminar este quadro com a felicidade geral que fora prometida, vemos aparecer a mulher, de regresso do rio, completamente modificada, curada e rejuvenescida. Só o gigante causa por momentos alguma confusão na ponte, com a sua sombra, mas logo se imobiliza, petrificado em estátua colossal. A sua sombra fica indicando as horas, marcadas num círculo à volta. O rei alegra-se muito por ver a sombra do monstro utilizada, e entretanto, participando também, embora indirectamente, de tanto prodígio e tanta felicidade, o povo comprime-se à roda do gigante, admira a sua transformação, e dirige-se em seguida para o templo, onde tem a visão do rei, da rainha e dos seus companheiros iluminados por uma luz celeste. Prostram-se por terra todas as pessoas, tocando com o rosto no chão. Quando o rei e os seus acompanhantes descem do altar e se dirigem ao palácio através de saídas secretas, o povo fica a contemplar as estátuas dos reis, os três primeiros de pé, e o quarto sentado, massa informe que alguém tapara com uma tapeçaria. Da grande praça no exterior começam a cair moedas de ouro. As pessoas mais próximas precipitam-se para as agarrar. São os fogos-fátuos que ao sair se divertem uma vez mais, dissipando alegremente o ouro extraído dos membros do quarto rei. O povo corre durante algum tempo, até se dar conta de que já não caem mais moedas. Depois dispersa-se e segue o seu caminho. A ponte, diz-se na conclusão, ainda hoje formiga de pessoas, e o templo é o mais frequentado de toda a terra.

Assim termina o conto, assim começam as nossas interrogações sobre os seus símbolos.

Folclore