Todas as coisas, reais ou imaginárias, formam um único e mesmo ser, chamado Si, Senhor ou “Luz” (prakāśa). Por si só, essa afirmação não é original. Muitas tradições, tanto no Ocidente quanto no Oriente, afirmam essa unidade do ser. Mas, embora geralmente se conclua que as aparências de nossas vidas são meras ilusões, esse não é o caso de Abhinavagupta. Em seu pensamento, a afirmação do ser não é uma negação ou denegação de coisas e seres, mas sim uma celebração. É claro que tudo existe somente por meio dessa Luz e nela. É por isso que ela é o “Senhor”. Tudo depende dela, e ela não depende de nada.
Mas a originalidade está em outro lugar. Pois imediatamente após demonstrar — no tom da filosofia ou da poesia mística — a unidade do ser, o Filho do Yoginī afirma que o ser está cheio de possibilidades, de poderes. Em outras palavras, o ser não é imóvel ou inerte como o céu. Pelo contrário, ele é capaz de tudo. Capaz de tomar consciência de si mesmo, de desejar, de perceber, de agir, de dividir e reunir. Consequentemente, o pensamento, a fala, as atividades humanas e tudo o que se segue nada mais são do que a aventura do Absoluto despertando para si mesmo. O Senhor, nós mesmos (o Si) e todos os seres são uma única existência que se conhece, se confunde e se reconhece, infinitamente, apenas para experimentar a vertigem abismal da perda e depois retornar a si mesmo. Pois, assim como existe apenas um ser, único e infinito, existe apenas um sujeito que sente tudo por meio de diferentes corpos. E, da mesma forma, a única realidade que experimentamos dessa maneira é nós mesmos, o Senhor feito de luz. Essas mil maneiras de perder-se e encontrar-se são os Poderes (śakti) do Senhor, nossas possibilidades.
Portanto, todo o devir nada mais é do que a história desse ser efusivo que brinca de se perder para melhor se encontrar. Observe que esse esquema poderia ser aplicado com a mesma facilidade em um contexto materialista ou científico: somos apenas janelas pelas quais o universo se torna consciente de si mesmo. De fato, Abhinavagupta insiste que o ser puro, sem consciência ou desejo, não passaria de um nada inerte e não mereceria o título de “Senhor”.
Em resumo, somos a realidade explorando a si mesma. A realidade é o Senhor, e os desejos, os pensamentos, as sensações e a consciência são todas inflexões do Poder, da Deusa. Por exemplo, quando desejo comer uma manga, desejo a mim mesmo, a Manifestação infinita, mas na forma contraída de “essa coisa, desejada por esse indivíduo”. O Senhor é, portanto, tanto sujeito quanto objeto. Sua capacidade de perceber ou desejar a si mesmo como um objeto é seu Poder. Mas como esse objeto nada mais é do que o sujeito, e como toda consciência de algo é, na realidade, consciência de si mesmo e do mesmo Si, no final há apenas unidade: um único ser que se recaptura em um único ato de consciência.