Astrologia Helenística
Amalgama de uma doutrina filosófica sedutora, de uma mitologia absurda e de métodos científicos empregados à contratempo.
Doutrina filosófica da unidade do Cosmo e da interdependência de todas as partes deste vasto conjunto. Como o Cosmo dos antigos é composto de uma série de esferas concêntricas tendo por centro a terra, a doutrina da unidade supõe uma incessante troca de ações e de reações entre a terra e as esferas planetárias e de uma esfera à outra. Ou ainda, para dizer o mesmo em termos diferentes, como de uma parte o mundo sublunar, de outra parte o céu além da luz são constituídos pelos quatro elementos — água, terra, ar, fogo — ou os cinco, se se adiciona o éter, a doutrina da unidade supõe ações e reações contínuas destes elementos entre eles. Assim é que o sol, os planetas e as constelações, todos os astros cuja matéria é um fogo que queima eternamente são se consumir jamais, se alimentam dos vapores provenientes do mundo sublunar; inversamente, os astros não cessàm de agir no mundo sublunar pelas energias que projetam, seja sobre o conjunto deste mundo, seja sobre tal parte ou mesmo tal indivíduo singular. Desde a era helenística e até o Renascimento, esta doutrina da unidade do Cosmo e da simpatia que liga todos os membros teve valor de dogma. A maior parte das escolas a reconhecem, e não menos as pessoas simplesmente cultivadas que não aderem a nenhuma escola. Não somente ela é o fundamento indispensável das pseudo-ciências — astrologia popular ou científica, medicina astrológica, alquimia — da magia, da gnose penetrada de magia, da teurgia e de toda arte divinatória quaisquer que sejam as formas, não somente tem o direito de citação na filosofia propriamente dita, mas um documento tão literário que seja como o panegírico em honra dos reis, inserido no final do Corpus hermeticum, a utiliza como metáfora, o que demonstra a que ponto ela se tornou moeda corrente até na retórica mais banal.
Se a doutrina da simpatia se limitasse a reconhecer as ligações de dependência entre todas as partes do universo, e se se considerasse estas ligações como relações puramente físicas ou mecânicas, não somente esta doutrina teria sido razoável, mas teria pressentido uma autêntica verdade, esta mesma verdade que a lei da atração universal oferece hoje em dia por uma outra metáfora. E ela teria alcançado também, antecipadamente, uma importância descoberta nos tempos modernos: é que, sob um modo ou outro, nosso corpo e nosso espírito mesmo sofrem continuamente influências de raios cósmicos. Mas, por uma subsistência das formas mas primitivas do pensamento, a astrologia confundiu tudo quando traduziu em termos psicológicos o que deveria ser considerado em termos físicos. Não se deixou o domínio dos mitos, se criou uma mitologia mais fantástica ainda e mais absurda que a lendas tradicionais. Esquecendo-se que já um pré-socrático, Anaxágoras, tinha concebido os astros como simples corpos movidos por forças mecânicas, permaneceu-se fiel às imaginações grosseiras das primeiras idades em considerando os astros como pessoas. Eram astros animados, conscientes, voluntários, tendo um sexo, um caráter, movimentos espontâneos e humores: era portanto inevitável que tivessem também uma história e que as relações que entretinham, entre eles e com a terra, tomassem o porte de relações entre pessoas humanas. A linguagem manifesta esta volta do espírito: os planetas se levantando e se deitando, se vendo, se entendendo, comandam, obedecem, têm simpatia ou antipatia, se deliciam ou entristecem, parecem hilários ou sombrios, são mestres de casa, etc — sem contar todos os epítetos que lhes afabula para denotar sua atitude a respeito dos homens. Assim se passa também com os signos do zodíaco e outras constelações, em resumo, com todos os astros em geral, e naturalmente também com os decanos, que, verdadeiramente, não dispuseram de sua natureza original de deus antropomórficos.
A astrologia sendo a arte de fazer presságios segundo a influência suposta dos astros, a doutrina da unidade do Cosmo e da simpatia fundou com razão esta influência, enquanto a mitologia celeste determinou em grandes traços o caráter. Mas estes dois elementos, unidade do Cosmo e simpatia, não foram suficientes. Qualquer predição a ser feita, seja de um empreendimento ou de uma vida, devia considerar a hora na qual começaria este empreendimento ou esta vida. Era preciso, em outros termos, fazer o horóscopo. Ora, este dependia do estado do céu nesta hora, quer dizer da maneira que os planetas estariam situados um em relação ao outro e todos a respeito dos signos zodiacais ou mesmo dos graus destes signos. Mas como perceber o sentido, favorável ou desfavorável, destas posições? A que critério se apoiar? De que regras se servir? É aqui eu interviram métodos científicos, que se tomaram emprestados às ciências matemáticas, à geometria e à aritmética. Eis o terceiro componente da astrologia, aquele que fez considerar esta arte divinatória como uma ciência, sem dúvida, onde o espírito lógico dos gregos desempenhou o maior papel.
Aí entraram as combinações geométricas elaboradas pelos astrólogos para estabelecer as relações entre signo e signo, planeta e signo ou grau de um signo, planeta e planeta, planeta e “lugar”, planeta e “sorte” astrológica. As combinações geométricas eram de duas espécies: os signos do zodíaco se ligavam entre eles seja por linhas paralelas, seja por polígonos regulares inscritos no círculo zodiacal. As associações poligonais, ou “aspectos”, se tornam os instrumentos por excelência da astrologia. O número de aspectos foi a princípio de três, depois quatro: diâmetro, trígone, tetrágono, hexágono. Esta mistura de cálculo e especulações servia um fim: prognosticar o futuro pela observação dos astros. Este era o objeto da “apotelesmática”, apotelesmatike techne, enquanto arte de “produzir” uma realização material (apotelesma), em oposição à techne theoretike, que se propunha o conhecimento puro, e a techne praktike, que se propunha uma ação.