VIDE: Cosmogonias Criacionistas
OBRA DE UM DEUS CRIADOR
O cenário relativo ao estado edênico e à queda do homem poderia ser suficiente, desde que não se tivesse com o tempo se perdido o sentido dos ritos iniciáticos, e a própria ideia do universo dinâmico. O único meio de religar (Religião) o mundo fenomenal ao mundo energético, que do primeiro é a fonte, o suporte e a explicação, era então de designá-lo expressamente como a obra de Deus, quer dizer do Ser que é a plenitude e a infinitude do ser, — do Ser que forma o centro do universo real, e o único abrigo de luz, — do Ser no qual se integram, em um elã de amor, em todos os estágios da criação cósmica, o Eu que Ele retirou do nada e que lhe fazem um dom total do domínio de existência que lhes conferiu. Estas concepções, que eram comuns na época anterior, quando do fervor iniciático, tinham necessidade de ser precisadas em um período de decadência religiosa.
Não é preciso muito comentar aqui o primeiro relato do Gênesis. Destaquemos simplesmente que ele não é bem entendido senão em referência a ritos celebrados em uma Caverna sagrada antes de ser transportados para um templo. Assinalemos também que se entrevia aqui e ali, na origem primeira do texto, uma liturgia bastante análoga àquela de Ea criando wp-en:Apsu, e fazendo surgir da água a luz, em seguida a terra — a «terra pura» do princípio. Mas a noção de Todo-Poderoso do Divino e da realização instantânea dos decretos eternos transfigura tudo. Aqui nenhuma desconfiança de luta e de resistência. Estamos no universo da Sobrenatureza, onde o fiat do Ser é a única lei.
Já fizemos observar que um ponto capital do relato bíblico consistia nas plavras: «Façamos homens a nossa imagem, segundo nossa semelhança» (Gen 1,26) — palavras que têm por eco na segunda narração: «Eis o homem tornado com um de nós» (Gen 3,22). Não é duvidoso, segundo este plural, inicialmente desconcertante em um obra tão claramente monoteísta, que a intenção do texto seja designar o ser humano antes de tudo como um EU: é este caráter somente que o torna semelhante à pluralidade de Eu divinos. Esta questão é essencial: todo o sistema do mundo pivota ao redor dela; as relações dos Eu e do ser-pensamento constituem, com efeito, o fundo do dinamismo cósmico, e são eles que fornecem a explicação da humanidade. Além do mais, assinalamos que o pensamento profundo incluso nestas passagens se encontrava veiculado pelo ritual: ”os oficiantes que representavam Deus na liturgia da criação formavam verdadeiramente uma tríade — esta tríade criadora que se encontra em diferentes povos: pode-se conjecturar que um dos três personagens sagrados falava, enquanto um outro executava, e o último presidia.