Festugière (AFRHT3) – A Revelação de Hermes Trismegisto III – origem celeste da alma

A ORIGEM CELESTE DA ALMA

I. As fontes filosóficas

O período helenístico não se preocupou em geral com o problema das origens e do destino da alma (v. Franz Cumont). E pode-se atribuir com alguma certeza à renovação da influência do platonismo a crença, da qual testemunha Cícero (Sonho de Cipião), que a alma é de origem divina e que, após um tempo de estadia aqui em baixo, ascende para sempre ao céu (v. Estoicismo).Essa crença apresenta duas características. Por um lado, «os homens receberam seu espírito desses fogos eternos de acima, que chamais constelações e estrelas, fogos esféricos e circulares que, animados de intelectos divinos, realizam suas revoluções com uma velocidade admirável». Ao mesmo tempo que Cícero encontra-se em Varron : «A semente de vida nos seres vivos é o fogo, que é alma e intelecto. É um sopro quente vindo do céu, porque é no céu que se encontram, inumeráveis, os fogos imortais. Assim Epicarmo diz do intelecto humano: “ele vem do alto, originário do Sol, o qual é inteiramente composto de intelecto”». É provável que a leitura do Timeu tenha reanimado a crença na origem astral da alma. Cícero traduziu parte desta obra, e não há necessidade de se lembrar aqui, o quanto esteve em voga sob o Império.

Outro caráter põe a natureza da alma em relação direta com a natureza das Ideias, ou de Deus concebido como o Intelecto supremo que pensa as Ideias. Festugière resume aqui o argumento de Albino: «o ser da alma é de aportar vida. Ora aquilo que aporta a vida não é suscetível de morte. Logo a alma é imortal. Enquanto imortal, a alma é indestrutível. Ela é com efeito uma essência incorporal, imutável quanto a seu ser fundamental (hypostasis), inteligível, invisível, simples na sua forma; portanto, ela é incomposta e não sofre nem dissolução nem dispersão. Por estes traços, a alma se assemelha ao Inteligível o qual também, por natureza, não sofre nem dispersão nem destruição. Além do mais, a alma tem naturalmente o papel de chefe. Ora aquilo que tem naturalmente papel de chefe se assemelha ao Divino. Logo a alma, posto que se assemelha ao Divino, é indestrutível e não passageira». A alma se assemelha portanto ao Inteligível, e se tomarmos outras colocações chegamos à conclusão que a alma se assemelha a Deus mesmo. Pois Deus, sendo sem partes, é imutável e inalterável, logo incorporal. Além do mais, se Deus tivesse um corpo, seria corruptível, engendrado, suscetível de mudança: o que é absurdo no caso de Deus.

 

II. A gnose pagã

Hermetica