Ambiguidade necessária da condição humana, ruptura entre intelecção e razão
Admitir que o homem se situa por definição entre a Intelecção que o religa a Deus e um mundo que tem o poder de dele o desprender, que consequentemente o homem, sendo livre correlativamente a sua inteligência, possui a liberdade paradoxal de querer se fazer Deus por sua vez, é admitir na mesma tacada que a possibilidade de uma ruptura entre a Intelecção e a simples razão é dada de antemão, pela ambiguidade mesma da condição humana; pois o pontífice suspenso entre o Infinito e o finito não pode não ser ambíguo, embora seja inevitável que o «escândalo aconteça»: que no final das contas o homem — a partir da queda original e de queda em queda — chegue ao luciferismo racionalista1, o qual se volta contra Deus e por aí se opõe a nossa natureza; ou o qual se torna contra nossa natureza e por aí se opõe a Deus. A faculdade racional destacada de seu contexto sobrenatural é forçosamente contra o homem, e dá necessariamente lugar no final das contas a um pensamento e uma forma de vida, todas as duas contrárias ao homem; em outros termos: a intelecção não está certamente ao abrigo senão nas almas providencialmente isentas de certos riscos da natureza humana; mas ela não está — e não pode estar — ao abrigo dos homens como tal, pela simples razão que o homem comporta por definição a individualidade passional e que a presença desta, precisamente, cria o risco da ruptura com o puro Intelecto, e consequentemente o risco da queda.
Ou existencialista, o que globalmente retorna ao mesmo ponto que nada há de mais racionalista que um negador da eficiência intelectual. ↩