O absoluto, sendo indiferenciado, desafia qualquer descrição, daí o duplo significado de anuttara, o termo-chave nos hinos, inexprimível e inacessível a qualquer abordagem; de fato, nada pode revelar o absoluto ou levar a ele, uma vez que, sempre presente, ele é autoevidente. Mas, em contraste com a realidade forjada pelo homem comum, Abhinavagupta a define como a Realidade inata e espontânea (sahaja), a graça que surge perpetuamente, insistindo assim na gratuidade da dádiva, em sua livre espontaneidade. Torna-a um domínio total (dhāman), sem fissuras, uma espécie de receptáculo universal que não é afetado por aquilo que contém, como o firmamento (vyoman), uma imensidão vazia e etérea, infinitamente leve porque não tem peso ou restrição, e uma beatitude pacífica de simplicidade incompreensível.
Esse é o Brahman neutro como alguns vedantinos o entendem? Acho que não: embora imutável, a Realidade para o Trika é tudo menos passiva; é uma força vibrante que está constantemente se renovando, tanto fresca quanto fértil, pois esse reino é o de Śiva dotado de energia, śakti, espalhada por toda parte. Ele é designado pela palavra spanda, a Vida cósmica que flui através de nós incessantemente, vibra em todos os nossos estados, vigília, sonho, inconsciência; ou melhor, vivemos em uma fulguração de vibrações instantâneas, mas tão vívidas e próximas umas das outras que, incapazes de discernir um spanda do outro, percebemos apenas imobilidade onde há extrema vivacidade de movimento. Por outro lado, apreendemos movimentos grosseiros na escala de nossos pensamentos e sentidos.
Assim, a Realidade, dotada de poder ilimitado, revela-se, para aqueles que a reconhecem, como a fonte de força inesgotável; sua vibração escapa àqueles que não conseguem detectá-la.
Essa primeira diferença entre Śañkara e Abhinavagupta, portanto, diz respeito à autonomia da Consciência: para ambos, Śiva é luminoso por si mesmo (svaprakāśa) e, além disso, para o último, “autoconsciência livre” (vimarśa): Śiva, luz suprema da Totalidade, é autoconsciência única e indivisível, escreve Abhinavagupta no Paramārthasāra.