Um caso paralelo, digno de menção, pode ser visto nos anais do julgamento de Thiess, um lituano de oitenta e seis anos, acusado de licantropia. O julgamento realizou-se em Jürgensburg,em 1691,e sua descrição foi publicada por H. van Bruiningk. Cabe a Otto Höfler o mérito de haver dado pela primeira vez a devida importância a esse documento interessantíssimo, reproduzindo as passagens essenciais no apêndice de seu livro Kultische Geheimbünde der Germanen. O velho Thiess reconheceu perante seus juízes ser um lobisomem (Wahrwolff) e, como tal, lutar contra o Demônio. Três vezes nas noites de Santa Luzia, antes do Natal, de Pentecostes e de São João, ele e seus companheiros iam a pé, transformados em lobos, até os “confins do mar”, ou seja, ao inferno. Lá, eles lutavam contra o Demônio e os bruxos, perseguindo-os como cães. (Em uma dessas ocasiões, bem antes da época do julgamento, Thiess lutou contra um certo bruxo, de nome Skeistan, e teve seu nariz quebrado por um cabo de vassoura.) Thiess explicou aos juízes que os lobisomens transformavam-se em lobos e desciam ao inferno, a fim de trazer de volta à terra os gêneros roubados pelos bruxos, ou seja, gado, trigo e outros frutos da terra. Se eles não agissem a tempo, os efeitos seriam como aqueles do ano anterior ao julgamento, quando eles não haviam conseguido penetrar pelas portas do inferno e, por não terem podido trazer de volta o trigo e outros cereais, as colheitas tinham sido desastrosas.
Thiess declarou que, por ocasião da morte, as almas dos lobisomens vão para o céu, enquanto as dos bruxos são levadas pelo Demônio. Os lobisomens são inimigos do Demônio, eles são “os cães de Deus”. Não fosse sua intervenção ativa, o Demônio conseguiria destruir a terra. Não somente os lobisomens lituanos combatem o Demônio e os seus bruxos, em defesa das colheitas; os lobisomens alemães e russos também o fazem, embora desçam a outros tipos de infernos. Quando os juízes tentaram convencer Thiess de que os lobisomens tinham um pacto com o Demônio ,o ancião protestou vigorosamente; e, ao sacerdote-chamado na esperança de fazer Thiess reconhecer sua culpa – ele gritou que suas ações faziam um bem maior que as do padre. Até o fim do julgamento, Thiess recusou-se a arrepender e foi condenado a dez chicotadas por superstição e idolatria.
Van Bruiningk também faz referência a um fato citado no livro Commentarius de praecipius generibus divinationum…, de C. Peucer. Durante uma festa em Riga, um jovem desmaiou e um dos presentes reconheceu nele um lobisomem. No dia seguinte, o jovem contou que havia lutado contra uma bruxa que voava na forma de uma borboleta. (Peucer comenta que, de fato, os lobisomens se gabavam de afugentar as bruxas.) Carlo Ginzburg estabelece uma analogia correta entre os benandanti e os lobisomens lituanos e os xamãs, que descem extaticamente aos infernos, a fim de salvar sua comunidade. Por outro lado, não devemos nos esquecer da crença comum aos povos do norte da Europa de que os guerreiros mortos e os deuses combatem as forças do Demônio. [Eliade]